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Os últimos dias de Jacó e José | Gênesis 48:1-50:26

  • Foto do escritor: João Pavão
    João Pavão
  • 13 de set.
  • 15 min de leitura
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Introdução: O Fim é o Começo


A seção final do livro de Gênesis, abrangendo os capítulos 48 a 50, funciona como um epílogo monumental para a era patriarcal e, simultaneamente, como um prólogo indispensável para a formação da nação de Israel, cuja história se desdobrará no livro de Êxodo. Esta passagem não apenas conclui as narrativas de Jacó e José, mas também consolida e projeta para o futuro os temas teológicos centrais que permearam todo o livro: a fidelidade inabalável de Deus à sua aliança, a soberania de sua providência sobre os assuntos humanos e a esperança resiliente na promessa da terra.   


O argumento central deste estudo expositivo é que estes três capítulos são deliberadamente estruturados para demonstrar que a morte dos patriarcas não significa o fim da promessa divina, mas sim a sua ratificação e perpetuação. Através dos atos solenes das bênçãos de leito de morte, do elaborado funeral transnacional e do juramento final sobre os ossos, a narrativa habilmente transfere o foco da vida de indivíduos para o destino coletivo de um povo. A identidade de Israel é, assim, solidificada em torno da promessa da terra e da soberania de Deus, mesmo enquanto a nação incipiente reside em solo estrangeiro, no Egito.

Para substanciar esta tese, o presente relatório explorará como a bênção de Jacó, nos capítulos 48 e 49, estabelece o futuro teológico e político das doze tribos, definindo suas identidades e papéis no plano divino. Em seguida, analisaremos como a morte e o funeral de Jacó, e posteriormente de José, no capítulo 50, selam essa esperança com atos tangíveis de fé que apontam profeticamente para o evento redentor do Êxodo, transformando o fim de uma era no alicerce da próxima.


Análise Literária e Estrutural


A profundidade teológica de Gênesis 48-50 é inseparável de sua sofisticada construção literária. A forma como a narrativa é contada é, em si, uma parte integral da mensagem que ela transmite.


A seção é composta por uma mistura de gêneros literários que eram comuns no antigo Oriente Próximo, mas que o autor bíblico emprega com um propósito teológico distinto.

O núcleo da passagem, a bênção de Jacó em Gênesis 49, pertence ao gênero do "testamento de leito de morte". Neste formato literário, um patriarca ou líder, antes de morrer, reúne seus descendentes para proferir palavras proféticas sobre seu futuro. Tais palavras não eram meras previsões, mas possuíam um peso performativo, acreditava-se que elas moldavam a realidade que descreviam, funcionando como um decreto que estabelecia o destino.   


Adicionalmente, a bênção em si (49:2-27) é composta em forma de poesia hebraica. É caracterizada por um denso uso de paralelismo (seja sinonímico, antitético ou sintético), imagens vívidas e metáforas (o leão, a serpente, a videira) e complexos jogos de palavras. Este estilo elevado não é meramente estético; ele eleva o status do discurso de uma simples previsão para um oráculo divino, uma palavra autoritativa de Deus transmitida através do patriarca moribundo.   


A disposição das cenas e temas em Gênesis 48-50 revela uma arquitetura cuidadosa, projetada para unificar a narrativa e reforçar suas mensagens centrais. A seção exibe uma notável estrutura quiástica que conecta o seu desfecho com o início da história de José. Conforme observado por estudiosos como Bruce Waltke, os episódios do Ato 4 (caps. 48-50) espelham e revertem quiasticamente os infortúnios dos Atos 1 e 2 da saga de José, demonstrando a mão transformadora da Providência divina. A desintegração familiar de Gênesis 37 encontra sua resolução na reconciliação e unidade de Gênesis 50. O luto de Jacó por um filho supostamente morto é substituído pelo luto honroso de uma nação por Jacó. A venda de José para o Egito é redimida pela salvação que José provê no Egito. A própria forma da narrativa, portanto, argumenta que a reconciliação e a restauração não são acidentais, mas o desfecho divinamente orquestrado de um plano redentor.   


Ademais, a narrativa é emoldurada por uma inclusio temática. Ela começa com o juramento que Jacó exige de José para ser sepultado em Canaã (47:29-31) e termina com o juramento que José exige dos filhos de Israel sobre seus próprios ossos (50:24-26). Este enquadramento temático foca a atenção do leitor na promessa da terra como o ponto de partida e o destino final da fé patriarcal. A sequência de cenas – enfermidade e bênção da graça (cap. 48), o oráculo tribal e a morte na fé (cap. 49), o funeral como um "êxodo em miniatura" e a reconciliação final (cap. 50) – cria um crescendo dramático e teológico. A narrativa move-se do futuro particular de José e seus filhos para o futuro corporativo de todas as tribos, culminando na afirmação explícita e inesquecível da soberania de Deus sobre o mal humano.


Exegese Detalhada


Uma análise minuciosa do texto revela como cada cena contribui para o desenvolvimento dos temas de providência, promessa e legado.


Gênesis 48: A Bênção da Graça Soberana


Este capítulo foca na transferência da bênção pactual e estabelece um dos princípios teológicos mais importantes do livro: a soberania da graça de Deus sobre o direito natural.


(48:1-7) Enfermidade e Memória: A cena se inicia com a visita de José, acompanhado de seus dois filhos, Manassés e Efraim, ao seu pai enfermo. Jacó, reunindo suas últimas forças, não começa com lamentações, mas com uma poderosa retrospectiva teológica. Ele recorda a teofania em Luz (Betel), o lugar onde a promessa abraâmica de descendência e terra foi pessoalmente confirmada a ele (Gn 28:13-15; 35:9-12). Esta recordação não é meramente nostálgica; é fundacional. Jacó ancora as bênçãos que está prestes a conceder na fidelidade pactual e imutável de Deus. A menção comovente da morte prematura de Raquel no caminho de Efrata (v. 7) serve a um duplo propósito: explica seu profundo e duradouro afeto por José, o filho de sua amada esposa, e justifica a honra especial que ele está prestes a conferir aos filhos de José.   


(48:8-22) Adoção e Inversão: O coração do capítulo reside no ato duplo de Jacó: a adoção e a bênção invertida. Primeiro, num ato de extraordinário significado legal e teológico, Jacó adota formalmente Efraim e Manassés. Apesar de terem nascido no Egito de mãe egípcia, ele os declara como seus próprios filhos, colocando-os no mesmo patamar de Rúben e Simeão. Este ato efetivamente eleva José à posição de primogênito, pois lhe concede a porção dobrada da herança através de seus dois filhos, que se tornarão chefes de tribos distintas em Israel.   


O que se segue é um dos momentos mais dramáticos do livro. Apesar de sua visão física estar falhando ("os seus olhos estavam carregados de velhice, já não podia ver"), a percepção espiritual de Jacó é aguçada. Quando José posiciona seus filhos de acordo com a ordem de nascimento – Manassés, o mais velho, à direita de Jacó, e Efraim, o mais novo, à sua esquerda – Jacó deliberadamente cruza as mãos. Ele coloca sua mão direita, o símbolo da bênção principal e da autoridade, sobre a cabeça de Efraim, o mais novo, e a mão esquerda sobre Manassés.   


José, um homem de ordem e protocolo, fica "desgostoso" e tenta corrigir o que percebe como um erro de seu pai cego. A resposta de Jacó é firme e profética: "Eu sei, meu filho, eu sei" (v. 19). Ele afirma que, embora Manassés também se torne um grande povo, seu irmão mais novo, Efraim, será ainda maior, e sua descendência se tornará uma "multidão de nações". A inversão da primogenitura é o clímax de um tema que percorre todo o livro de Gênesis, desde Isaque sobre Ismael, Jacó sobre Esaú, Perez sobre Zerá, até Judá sobre seus irmãos mais velhos. Este ato final de Jacó sela o princípio teológico de que a eleição divina é fundamentada na graça soberana, não no direito de nascimento ou no mérito humano. A primogenitura no antigo Oriente Próximo era um direito legal e cultural de imensa importância, garantindo liderança e uma porção dobrada da herança. Gênesis sistematicamente subverte essa norma. A bênção de Jacó sobre Efraim e Manassés é o exemplo mais explícito e consciente dessa subversão. Não é resultado de engano, como no caso do próprio Jacó, mas de um ato profético deliberado. A cena, portanto, não trata apenas do futuro das tribos de Efraim e Manassés; é uma declaração teológica final em Gênesis de que os caminhos de Deus não são os caminhos humanos, e que Sua escolha soberana é o princípio fundamental que governa a história da salvação.   


Gênesis 49: O Oráculo de Jacó e o Futuro de Israel


Neste capítulo, Jacó assume plenamente seu papel como profeta, delineando o destino das doze tribos em uma série de oráculos poéticos.


(49:1-28) As Bênçãos Tribais: Jacó convoca seus doze filhos para lhes declarar "o que vos há de acontecer nos dias vindouros" (v. 1). O termo "bênçãos" é usado de forma abrangente, pois os oráculos que se seguem refletem o caráter de cada filho e predizem o destino de sua tribo, incluindo repreensões severas.   


  • Rúben, Simeão e Levi (vv. 3-7): Os três filhos mais velhos de Lia são repreendidos por seus pecados passados, que os desqualificam da liderança. Rúben, por sua instabilidade ("impetuoso como a água") e pelo incesto com Bila, concubina de seu pai (Gn 35:22), perde a primogenitura. Simeão e Levi são condenados por sua fúria violenta no massacre dos siquemitas (Gn 34) e sentenciados a serem "espalhados em Israel". A história posterior de Israel mostra o cumprimento dessas palavras: a tribo de Rúben nunca teve proeminência; a de Simeão foi absorvida por Judá; e a de Levi foi dispersa entre as outras tribos. No entanto, em um notável exemplo da graça redentora de Deus, a maldição de Levi é transformada em uma bênção única, quando a tribo é consagrada ao serviço sacerdotal, e sua dispersão se torna um meio de ensinar a Lei de Deus a todo o Israel.   


  • Judá (vv. 8-12): Em contraste, Judá, o quarto filho, recebe a bênção real. Ele é louvado por seus irmãos, comparado a um leão vitorioso e, de forma crucial, recebe a promessa do cetro: "O cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha Siló; e a ele obedecerão os povos" (v. 10). A identidade exata de "Siló" é debatida, mas a interpretação messiânica, referindo-se a um futuro rei da linhagem de Davi e, em última instância, a Cristo, é fortemente apoiada pela tradição judaica e cristã, bem como pelo contexto da promessa de um governante universal.   


  • José (vv. 22-26): José recebe a bênção mais longa e rica em imagens de fertilidade, resiliência e proteção divina. Ele é um "ramo frutífero" que, apesar dos ataques ferozes dos "flecheiros" (uma metáfora para seus irmãos e outras adversidades), permaneceu firme pela força do "Poderoso de Jacó", que é também o "Pastor e a Pedra de Israel" (v. 24). A bênção de José é de prosperidade abundante, tanto dos céus (chuva) quanto do abismo (fontes de água), e de fertilidade, superando as bênçãos que o próprio Jacó recebeu de seus antepassados.   


A tabela a seguir resume os oráculos para cada tribo:


Tribo

Imagem Central

Conteúdo da Profecia (Positivo/Negativo)

Cumprimento

Rúben

Água impetuosa

(-/N) Perde a primogenitura por instabilidade e pecado.

A tribo nunca teve liderança proeminente em Israel.

Simeão & Levi

Instrumentos de violência

(-) Condenados pela crueldade; serão dispersos em Israel.

Simeão foi absorvido por Judá; Levi se tornou a tribo sacerdotal, dispersa para servir.

Judá

Leão

(+) Louvado pelos irmãos; realeza e domínio; promessa messiânica (Siló).

Linhagem do Rei Davi e de Jesus Cristo, o "Leão da tribo de Judá".

Zebulom

Porto de navios

(N) Habitará no litoral e se envolverá com o comércio marítimo.

Seu território ficava próximo de rotas comerciais importantes.

Issacar

Jumento forte

(N) Forte para o trabalho, submetendo-se à servidão por uma terra boa.

Tribo conhecida por sua laboriosidade e vida agrária.

Serpente/Víbora

(N) Julgará seu povo; astuto e perigoso em batalha.

Sansão, um juiz de Dã, usou táticas de guerrilha. A tribo também caiu em idolatria.

Gade

Tropa de assalto

(N) Atacado, mas contra-atacará e vencerá.

Tribo guerreira na fronteira oriental, constantemente em conflito.

Aser

Pão farto/Manjares

(+) Sua terra será fértil, produzindo alimentos dignos de reis.

Território conhecido por sua fertilidade, especialmente em oliveiras.

Naftali

Gazela solta

(+) Ágil, livre e eloquente ("profere palavras formosas").

Tribo conhecida pela rapidez e bravura em batalha (cf. Jz 4-5).

José

Ramo frutífero

(+) Extremamente abençoado com fertilidade, proteção e poder divinos.

As tribos de Efraim e Manassés tornaram-se numerosas e poderosas.

Benjamim

Lobo que despedaça

(N) Feroz e bem-sucedido na guerra.

Tribo de guerreiros notáveis, como o rei Saul e o apóstolo Paulo.

(49:29-33) O Mandamento Final e a Morte: Jacó conclui suas palavras com uma instrução solene e detalhada: ele deve ser sepultado em Canaã, na caverna de Macpela, o túmulo que Abraão comprou. Este não é um pedido sentimental, mas um profundo ato de fé na promessa da terra. É uma declaração de que, apesar de morrer no Egito, sua verdadeira pátria e a de seus descendentes é Canaã. Tendo completado sua missão terrena, ele "recolheu os seus pés na cama, e expirou, e foi congregado ao seu povo", uma expressão que denota uma morte pacífica e a reunião com seus antepassados na vida após a morte.   



Gênesis 50: O Legado da Fé e a Vitória da Providência


O capítulo final de Gênesis amarra os fios da narrativa, focando no legado dos patriarcas e oferecendo a mais clara articulação da doutrina da providência divina.


(50:1-14) O Funeral de Jacó: O luto por Jacó é realizado em uma escala monumental. José lidera um luto profundo e pessoal, que se expande para incluir os costumes egípcios de embalsamamento (um processo de 40 dias) e um período de luto nacional de 70 dias, uma honra extraordinária, normalmente reservada a faraós, que reflete o imenso respeito que o Egito tinha por José e seu pai.   


O cortejo fúnebre para Canaã é descrito como uma grande procissão de estado, com "carros e gente de cavalo, de modo que o concurso foi mui grande" (v. 9). Esta jornada de volta à terra prometida, realizada com a permissão e a honra do Egito, funciona como um "êxodo em miniatura". É um prenúncio profético do evento futuro, embora sob circunstâncias muito diferentes. O sepultamento em Macpela não é apenas um ato familiar, mas também um ato político e teológico, reafirmando a reivindicação de Israel sobre a terra prometida.   


(50:15-21) A Reconciliação Consumada: Com a morte de Jacó, o mediador familiar, o medo e a culpa latentes dos irmãos vêm à tona. Eles temem que José, agora livre de qualquer restrição filial, exerça sua vingança. Sua consciência pesada os leva a inventar uma mensagem póstuma de Jacó, implorando por perdão.   


A reação de José é profundamente comovente. Ele chora, não de raiva, mas de mágoa por eles ainda duvidarem da sinceridade de seu perdão. Ele então profere a declaração que serve como a chave hermenêutica para toda a sua vida e, de fato, para todo o livro de Gênesis: "Não temais; porventura, estou eu em lugar de Deus? Vós bem intentastes mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar em vida a muito povo" (vv. 19-20). Esta é a consumação da reconciliação, fundamentada não em sentimentos humanos, mas na compreensão teológica da soberania redentora de Deus.   


(50:22-26) A Morte de José: José vive até os 110 anos, uma idade ideal segundo a sabedoria egípcia, e vê seus descendentes até a terceira geração. Em seu próprio leito de morte, ele ecoa a fé de seu pai, reafirmando a promessa do Êxodo: "Deus certamente vos visitará e vos fará subir desta terra para a terra que jurou a Abraão, a Isaque e a Jacó" (v. 24). Ele vai um passo além de seu pai, fazendo os filhos de Israel jurarem que levarão seus ossos com eles quando partirem. Seu corpo é embalsamado e colocado em um caixão no Egito.   


Este ato final cria um paradoxo teológico poderoso. O caixão de José no Egito é, à primeira vista, um símbolo da morte e do exílio. No entanto, por causa do juramento, ele se torna o mais potente símbolo de esperança e da certeza do Êxodo. Não é um monumento à glória egípcia, que José poderia ter tido, mas uma âncora da fé israelita, apontando incessantemente para Canaã. Enquanto aquele caixão permanecesse no Egito, a promessa do Êxodo permaneceria como um "negócio inacabado" com Deus. Portanto, o último versículo de Gênesis, que fala de um caixão no Egito, não é uma nota de desespero, mas o ponto de partida para o livro de Êxodo. É a semente da libertação plantada em solo estrangeiro, esperando o tempo de Deus para germinar.   


Contexto Histórico-Cultural


A compreensão destes capítulos é enriquecida pelo conhecimento das práticas culturais e legais da época, que formam o pano de fundo da narrativa.


Práticas do Antigo Oriente Próximo (AON): As leis e costumes do antigo Oriente Próximo, especialmente da Mesopotâmia, concediam ao filho primogênito uma porção dobrada da herança e a liderança do clã. A Lei Mosaica posterior codificaria essa prática (Dt 21:17). A adoção de Efraim e Manassés por Jacó é, portanto, uma manobra legal astuta para transferir esse direito a José, contornando Rúben, que havia sido desqualificado. As bênçãos de leito de morte eram consideradas declarações performativas e legalmente irrevogáveis que determinavam o destino dos herdeiros. Da mesma forma, os juramentos, como os exigidos por Jacó e José, eram contratos sagrados e vinculantes, frequentemente selados com um gesto físico simbólico, como colocar a mão sob a coxa do juramentado.   


Costumes Egípcios: A narrativa demonstra uma familiaridade notável com os costumes egípcios, particularmente os rituais funerários. O processo de embalsamamento descrito (40 dias) e o longo período de luto (70 dias) correspondem ao que a egiptologia conhece sobre funerais de alta nobreza, especialmente durante o período do Novo Império. A menção específica de "médicos" realizando o embalsamamento, em vez dos embalsamadores rituais, pode ser uma escolha deliberada do narrador para distanciar a prática de seus elementos religiosos pagãos, adaptando-a à fé monoteísta de José. A descrição do cortejo fúnebre de Jacó como uma grande procissão de estado, com altos oficiais e carros de Faraó, reflete as práticas funerárias para figuras de grande importância no Egito.   


Discussões Teológicas Aprofundadas


Estes capítulos finais servem como uma síntese da teologia de Gênesis, aprofundando doutrinas cruciais.


A Doutrina da Providência: Gênesis 50:20 é a formulação clássica da doutrina da providência no Antigo Testamento. Esta doutrina não ensina o fatalismo, pois os irmãos são mantidos como moralmente responsáveis por suas ações ("vós bem intentastes mal"). Também não ensina um dualismo, onde Deus e o mal são forças opostas e iguais. Em vez disso, Gênesis apresenta o que pode ser chamado de soberania compatibilista de Deus: Ele opera Seus propósitos últimos através das escolhas livres, e até mesmo pecaminosas, de Suas criaturas. A teologia reformada, em particular, utiliza esta passagem para articular a distinção entre a vontade decretiva (secreta) de Deus, pela qual Ele ordena todas as coisas, e Sua vontade preceptiva (revelada), que nos comanda a não pecar. José não diz que Deus intentou o mal, mas que Deus usou a intenção maligna de seus irmãos e a transformou em bem.   


A Teologia da Aliança: Os capítulos finais mostram a aliança abraâmica em um momento de transição geracional. As promessas centrais – semente, terra e bênção – são reafirmadas e projetadas para o futuro. A promessa da "semente" é enfatizada na multiplicação extraordinária da família em Gósen (47:27). A promessa da "terra" torna-se o foco principal da fé de Jacó e José em seus leitos de morte. E a promessa de "bênção" para as nações é prefigurada na salvação que José, um hebreu, traz ao Egito e ao mundo conhecido durante a fome.


O Caráter de Deus: Deus é revelado através de epítetos ricos e evocativos. Em Gênesis 49:24, Ele é o "Poderoso de Jacó", o "Pastor" e a "Pedra de Israel". Estes nomes falam de Seu poder protetor, Seu cuidado orientador e Sua fidelidade como alicerce. Ele se revela como um Deus fiel às suas promessas geracionais, justo ao lidar com o pecado (como visto nas repreensões a Rúben, Simeão e Levi) e soberanamente gracioso em Sua eleição (como visto nas bênçãos sobre Judá, José e Efraim).


Apologética e Questões Complexas


A passagem oferece respostas narrativas a algumas das questões mais difíceis da fé.


A Teodiceia em Gênesis 50:20: Esta passagem oferece uma resposta bíblica fundamental ao problema do mal, conhecido como teodiceia. Ela não resolve o mistério filosófico de    


por que um Deus bom permite o mal, mas afirma que Ele é poderoso o suficiente para redimi-lo e usá-lo para um bem maior que, de outra forma, não seria alcançado. A defesa clássica de Agostinho, de que Deus permite o mal para dele extrair um bem maior, encontra aqui um de seus principais textos-prova bíblicos. A história de José é, em essência, a teodiceia narrativa da Bíblia, mostrando em vez de apenas dizer como Deus opera em um mundo caído.   


A Ética da Eleição: O favoritismo de Jacó por José e seus filhos pode ser visto como eticamente problemático, pois reflete as falhas do patriarca e é a causa raiz da discórdia familiar. No entanto, a narrativa distingue cuidadosamente entre o favoritismo humano, que é falho e gera conflito, e a eleição soberana de Deus, que serve ao Seu plano redentor. A bênção de Efraim sobre Manassés não é justificada pelo afeto de Jacó, mas por um insight profético sobre a vontade de Deus. A apologética aqui reside em mostrar que Deus não endossa o pecado do favoritismo, mas pode soberanamente alinhar Sua escolha com ele para Seus próprios fins, demonstrando que Seus planos não são frustrados pela falibilidade humana.   


Conexões Intertextuais e Tipologia


Estes capítulos finais não existem isoladamente, mas estão intrinsecamente ligados ao restante da Escritura, tanto para trás quanto para a frente.


Ressonâncias no Pentateuco: O juramento sobre os ossos de José cria um arco narrativo que se estende por todo o Pentateuco e entra nos livros históricos. A promessa é explicitamente cumprida em Êxodo 13:19, quando Moisés leva os ossos de José durante o êxodo, e seu sepultamento final em Siquém é registrado em Josué 24:32, fechando o ciclo da promessa da terra. Além disso, as bênçãos de Jacó em Gênesis 49 são revisitadas e expandidas nas bênçãos de Moisés em Deuteronômio 33, mostrando uma continuidade na revelação profética sobre o destino de Israel.


Judá e a Esperança Messiânica: A profecia de Gênesis 49:10 é fundamental para a linhagem messiânica que percorre toda a Bíblia. O Novo Testamento deliberadamente se conecta a esta promessa, traçando a genealogia de Jesus através de Judá (Mt 1:2-3), referindo-se a Ele como o "Leão da tribo de Judá" (Ap 5:5) e afirmando Sua realeza davídica, que cumpre a promessa do cetro eterno (Hb 7:14).   


A Fé dos Patriarcas em Hebreus: É notável que o autor da Epístola aos Hebreus, ao compilar seu grande "salão da fé", selecione especificamente os eventos destes capítulos finais como exemplos primordiais da fé patriarcal: "Pela fé, Jacó, próximo da morte, abençoou cada um dos filhos de José e, apoiado sobre a extremidade do seu bordão, adorou. Pela fé, José, próximo da morte, fez menção do êxodo dos filhos de Israel e deu ordens acerca de seus ossos" (Hb 11:21-22). Esta citação do Novo Testamento confirma a interpretação de que esses atos não são meras formalidades culturais, mas o clímax da fé patriarcal, uma fé que vê além da morte e se apega às promessas de Deus para o futuro.   


Aplicação Devocional e Relevância Contemporânea


As narrativas do crepúsculo dos patriarcas continuam a falar poderosamente à igreja hoje, oferecendo lições atemporais sobre perdão, confiança e esperança.


Confiança na Soberania de Deus: Em tempos de sofrimento pessoal, injustiça social ou caos global, Gênesis 50:20 permanece como uma âncora para a alma. Esta passagem nos ensina a confiar que, mesmo quando não entendemos os "porquês" de nossas circunstâncias, podemos descansar no "Quem" está no controle. A fé bíblica não nega a realidade do mal e do sofrimento, mas confia na capacidade de Deus de redimi-los para Sua glória e para o nosso bem final. É um chamado para olhar além da intenção humana e ver o propósito divino.   



   


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