Os descendentes de Sete | Gênesis 5:6–20
- João Pavão
- 26 de ago.
- 4 min de leitura

Após Adão e Sete, a genealogia prossegue listando sete gerações adicionais na linhagem piedosa: Enos (Enosh), Cainã (Kenan), Maalalel, Jerede (Jared) e, depois, Enoque e Matusalém até chegar em Lameque e Noé (que serão comentados na próxima seção). Esses versículos (6–20) cobrem principalmente as gerações de Sete até Jerede. Como mencionado, cada entrada segue o mesmo padrão estrutural, variando apenas os nomes e números. Podemos delinear os dados principais de cada descendente de Sete nesse trecho:
Sete (filho de Adão, v.6–8): tinha 105 anos quando gerou Enos; depois viveu mais 807 anos e teve outros filhos e filhas; morreu aos 912 anos.
Enos/Enosh (v.9–11): aos 90 anos gerou Cainã; viveu mais 815 anos e gerou filhos e filhas; morreu aos 905 anos. Enos em hebraico significa “homem frágil” ou “mortal” – possivelmente indicando a consciência da fragilidade humana diante de Deus (foi na época de Enos que se começou a invocar o nome do Senhor – Gn 4:26).
Cainã/Kenan (v.12–14): aos 70 anos gerou Maalalel; viveu mais 840 anos, com outros filhos e filhas; morreu aos 910 anos. Esse nome é interessante porque parece ser uma variante de “Caim” (Qayin). Ou seja, apesar da semelhança nominal, Kenan faz parte da linhagem de Sete, não deve ser confundido com o Caim filho de Adão.
Maalalel/Mahalalel (v.15–17): aos 65 anos gerou Jerede; depois viveu mais 830 anos e teve filhos e filhas; morreu aos 895 anos. Maalalel claramente é um nome hebraico que significa “Louvor de Deus” ou “Deus é exaltado”. Isso sugere que nessa família havia referência ao Senhor até nos nomes próprios, indicando um legado de fé e adoração ao Deus verdadeiro.
Jerede/Jared (v.18–20): com 162 anos gerou Enoque; viveu mais 800 anos e teve outros filhos e filhas; morreu aos 962 anos. O nome Jerede possivelmente vem de uma raiz hebraica que significa “descer” (yarad) – talvez “aquele que desce” – mas há outras teorias (derivação do acadiano significando “servo” etc.). De qualquer modo, Jerede é lembrado principalmente por ser o pai de Enoque.
Observando o padrão geral, percebemos alguns pontos importantes. Primeiro, há uma ênfase em como cada patriarca, apesar de ter tido uma vida extremamente longa, eventualmente “morreu”. O refrão “e morreu” aparece em cada geração (menos no caso excepcional de Enoque, como veremos) e funciona como um lembrete constante das consequências do pecado. Por mais abençoada e longa que tenha sido a vida desses homens, a morte era uma realidade inevitável para todos eles. Isso ensina que, embora o mandato de “frutificai e multiplicai-vos” estivesse sendo cumprido – com muitos filhos e filhas nascendo – a sentença “tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3:19) também permanecia em vigor. Vida e morte entrelaçam-se nessas genealogias: vemos a graça de Deus em permitir a expansão da vida humana e simultaneamente vemos a seriedade do juízo de Deus sobre o pecado, já que nenhum escapou da morte (exceto aquele a quem Deus tomaria, Enoque).
Segundo, percebe-se a continuidade da bênção de fertilidade. Cada patriarca “gerou filhos e filhas” além do herdeiro mencionado. Assim, Gênesis 5 mostra que a terra foi efetivamente se povoando. A linhagem de Sete coexiste com a linhagem de Caim (cap. 4), e certamente, ao longo de quase um milênio, surgiram clãs e comunidades. Isso prepara o cenário para Gênesis 6, onde encontramos a humanidade já bastante numerosa e, infelizmente, caminhando para a corrupção generalizada. Mas aqui no capítulo 5, o foco está nos fieis que dão sequência ao plano divino.
Terceiro, destaca-se um padrão numérico e literário possivelmente intencional: de Adão até Noé contamos dez gerações (Adão → Sete → Enos → Cainã → Maalalel → Jerede → Enoque → Matusalém → Lameque → Noé). O décimo nome na lista é Noé, que marcará uma transição histórica (o Dilúvio). Genealogias em esquemas de dez gerações eram uma forma comum na antiguidade de conferir estrutura e simbolismo à história. A lista paralela em Gênesis 4 (descendentes de Caim) tem sete nomes até Lameque, enquanto a de Sete possui dez até Noé. Isso sugere que o autor bíblico intencionava contrastar essas linhagens: uma linha ímpia e violenta (a de Caim, cujo clímax é Lameque, o polígamo homicida) e uma linha piedosa e esperançosa (a de Sete, cujo clímax inicial é Enoque, o homem que anda com Deus, e final é Noé, o instrumento de salvação). É notável que Enoque é o sétimo desde Adão na linhagem santa, enquanto Lameque (cainita) é o sétimo na linhagem de Caim – um fez poesias sobre vingança e assassinato (Gn 4:23-24), o outro caminhou com Deus e foi trasladado. Essa comparação implícita ensina que, mesmo em meio a um mundo decaído, sempre há aqueles que buscam a Deus e mantêm acesa a chama da fé recebida dos antepassados.
Finalmente, as idades extremamente avançadas desses patriarcas antediluvianos chamam atenção e já foram objeto de muita discussão. Diferentes explicações têm sido propostas: alguns tomam-nas como literais, indicando que as condições pré-diluvianas permitiam maior longevidade; outros veem números simbólicos ou esquemas numéricos. O texto de Gênesis não explica o “porquê” dessas idades longas, mas podemos inferir um propósito teológico: enfatizar que aqueles eram tempos primordiais e significativos, nos quais os seres humanos viviam mais próximos da criação original. Mesmo assim, como mencionado, por mais longos que tenham sido os anos, “e morreu” aparece ao fim de cada relato. Uma leitura teológica possível é que a longevidade ressalta a graça (vida abundante), enquanto a morte ressalta o juízo (limitação imposta pelo pecado). Nenhuma longevidade pode impedir o decreto divino de que o homem é mortal. Essa seção, portanto, pinta um quadro de um mundo que, apesar de temporariamente pacífico e ordeiro, segue rumo a um clímax – a história de Noé – onde Deus irá lidar com a corrupção humana, mas preservando essa linhagem santa para um novo começo.




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