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Introdução à Genealogia de Adão | Gênesis 5:1-5

  • Foto do escritor: João Pavão
    João Pavão
  • 26 de ago.
  • 5 min de leitura
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Gênesis 5 inicia uma nova seção em forma de genealogia, anunciada pelo cabeçalho: “Este é o livro das gerações de Adão” (heb. séfer toledot Adam). Fórmulas semelhantes introduzem as divisões do livro de Gênesis (cf. 2:4; 6:9, etc.), mas aqui é a única vez que aparece a palavra “livro” (séfer). Isso sugere que o autor sagrado está referenciando um registro histórico ou documento das origens da humanidade a partir de Adão. Em termos práticos, toledot significa “história/família/gerações” e indica que será narrada a descendência ou os resultados da vida de Adão. Assim, inicia-se uma nova etapa na narrativa bíblica: Adão será apresentado não apenas como indivíduo, mas como patriarca de uma linhagem.


Os versículos 1b–2 funcionam como um resumo editorial relembrando a criação da humanidade em Gênesis 1. A linguagem solene e elevada ecoa Gênesis 1:26–28 e também a estrutura de Gênesis 2:4. Observe-se a recapitulação: Deus criou o ser humano (Adam, que em hebraico pode significar “homem” ou ser o nome próprio Adão) à semelhança de Deus, criou-os homem e mulher, abençoou-os e deu-lhes um nome comum. Essa passagem reforça verdades fundamentais já reveladas: (1) o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (imago Dei), e (2) Deus criou os dois sexos e os abençoou. Gênesis 5:2 destaca que Deus “chamou o nome deles Adão” (isto é, Homem), indicando que toda a humanidade descendente do primeiro casal carrega essa identidade unificada diante de Deus. Em hebraico bíblico, adam pode designar tanto o indivíduo Adão quanto a humanidade em geral. Aqui entendemos que Deus estava nomeando a raça humana como um todo de “Adão” (ou “humanidade”), enfatizando a unidade da raça humana e sua origem comum no primeiro par criado.


Outro ponto importante é a bênção divina sobre a humanidade. Embora Gênesis 5:2 não repita totalmente as palavras “Frutificai e multiplicai-vos” de Gênesis 1:28, ele as pressupõe. De fato, todo o capítulo 5 demonstrará o cumprimento dessa bênção, ao listar muitos descendentes e “filhos e filhas” nas gerações seguintes. Mesmo após a Queda (Gênesis 3) e as tragédias familiares (como o assassinato de Abel em Gênesis 4), Deus continua a cumprir Seu propósito de encher a terra através da família de Adão e Eva. A humanidade decaída permanece sob a imagem de Deus e sob Sua graça capacitadora para frutificar.


A genealogia propriamente dita começa com Adão e seu filho Sete (Seth). Notemos de imediato o padrão literário que será repetido ao longo do capítulo para cada geração:


  • Idade ao gerar o descendente principal: “Adão viveu 130 anos e gerou um filho...” (v.3).

  • Identidade do filho gerado: “...gerou um filho à sua semelhança, conforme à sua imagem, e pôs-lhe o nome de Sete.”

  • Anos de vida pós-nascimento do filho e demais descendentes: “Depois que gerou a Sete, viveu Adão 800 anos, e gerou filhos e filhas.”

  • Duração total da vida e morte: “Todos os dias que Adão viveu foram 930 anos; e morreu.” (v.5).


Esse formato – idade ao ter o filho, nome do filho, anos adicionais de vida com outros filhos, total de anos de vida e a frase “e morreu” – constitui a “fórmula genealógica” padrão de Gênesis 5. É uma estrutura altamente organizada que confere ritmo à leitura e destaca pontos-chave: a continuidade geracional (filhos nascem), a bênção de longa vida (idades impressionantes) e a certeza da mortalidade (“e morreu”).


No caso de Adão, algumas particularidades merecem atenção. Primeiro, o texto enfatiza que Adão gerou um filho "à sua semelhança, conforme à sua imagem" (v.3). Essa frase ecoa deliberadamente a linguagem de Gênesis 1:26-27 – onde o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus – mas agora aplicada a Seth em relação a Adão. A implicação teológica é riquíssima: apesar do pecado e da Queda, a imagem de Deus continuou presente na humanidade através da linhagem de Adão. Seth herda de seu pai não apenas a natureza humana caída, mas também a dignidade e o propósito de portar a imagem divina. O pecado não apagou totalmente a imago Dei. Isso contrasta com a linha de Caim em Gênesis 4 – onde vemos rebeldia e violência –, sugerindo que em Sete Deus estava preservando um remanescente piedoso que carregaria adiante a semelhança divina e o conhecimento do Senhor (note que no fim de Gênesis 4:26 se diz que na época de Enos, filho de Sete, começou-se a invocar o nome do Senhor).


Segundo, a longevidade de Adão impressiona: 930 anos de vida! Ele viveu mais de nove séculos, o que, segundo a cronologia do Texto Massorético, significa que Adão alcançou a geração de Lameque (pai de Noé). Em outras palavras, Adão pôde testemunhar muitas gerações de seus descendentes. Tradicionalmente, isso é visto como um sinal tanto da bênção de Deus (a vida longa) quanto um toque de ironia trágica – Adão vê o desenrolar da história humana marcada pelo pecado que ele introduziu. Mesmo vivendo tanto, porém, a sentença dada em Gênesis 3 cumpriu-se: “...e morreu” (v.5). A morte física finalmente alcançou o primeiro homem, lembrando que nenhum ser humano, por mais privilegiado, escapa da consequência do pecado.

É curioso que, embora os patriarcas antediluvianos vivam vidas longuíssimas (todas próximas ou acima de 900 anos, exceto Enoque), nenhum deles chega a mil anos. Alguns comentaristas veem nisso um aceno simbólico: mil anos equivalem a um dia para Deus (cf. Salmo 90:4), de modo que nenhum homem chegou a completar um “dia” divino de vida – cumprindo de certa forma a palavra de Deus de que “no dia em que dele comer, certamente morrerás” (Gn 2:17). Seja como for, o registro “e morreu” é repetido a cada geração como um sino fúnebre literário, martelando a realidade da mortalidade em contraste com o ideal da criação. A ênfase especial de Gênesis 5:5 – “todos os dias da vida de Adão... e morreu” – com a inclusão da frase “que viveu” (ausente nos resumos dos outros patriarcas) pode ter a intenção de destacar tanto a longa vida de Adão quanto a certeza de sua morte, reforçando que até mesmo o primeiro homem, feito do pó por Deus, retornou ao pó.


Por fim, o versículo 4 menciona que Adão teve “filhos e filhas” além de Sete. Isso nos lembra que a Bíblia frequentemente concentra a história nos personagens-chave (nesse caso, Sete como o ancestral da linhagem santa até Noé), mas havia muito mais pessoas vivendo. Adão e Eva geraram muitos filhos ao longo de séculos. Houve portanto expansão populacional desde os primórdios, cumprindo o mandato da fertilidade. Esses outros descendentes não são nomeados, mas compunham a humanidade antediluviana juntamente com a descendência de Caim.

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