Genealogia de Esaú | Gênesis 36:1–37:1
- João Pavão
- 11 de set.
- 37 min de leitura

Contexto e Estrutura Geral da Passagem
O trecho de Gênesis 36:1–37:1 serve como conclusão da história de Esaú e transição para a história de Jacó e seus filhos. Trata-se de uma genealogia extensa dos descendentes de Esaú, também chamado Edom, e funciona literariamente como outras genealogias em Gênesis: encerra a narrativa de um ramo familiar secundário para que o foco retorne à linhagem principal da aliança (no caso, Jacó). Em Gênesis 36:1 lemos “Estas são as gerações (toledot) de Esaú”, fórmula típica em Gênesis para introduzir uma lista genealógica e indicar uma nova seção histórica. Aqui, essa genealogia de Esaú cumpre o propósito de registrar o cumprimento das promessas relativas a Esaú – de que ele se tornaria uma nação – ao mesmo tempo em que prepara o cenário para a história de Jacó e José a seguir.
Apesar de, à primeira vista, Gênesis 36 parecer apenas uma lista de nomes, ela tem importância literária, teológica e histórica. Literariamente, demonstra o cuidado do narrador bíblico em lembrar o parentesco entre Esaú e Jacó – embora tomem rumos distintos, a memória de que são irmãos permanece em todo o Antigo Testamento. Derek Kidner observa que o fato de Esaú e Jacó serem irmãos que deram origem a nações (Edom e Israel) nunca é esquecido na Bíblia: “Este capítulo, com seus pormenores minuciosos, testemunha esse senso de parentesco, que mais tarde vem à tona em contextos de diplomacia, lei e sentimento nacional (Nm 20:14; Dt 23:7; Ob 10–12)”. Teologicamente, a lista destaca o contraste entre os dois irmãos no plano divino: Esaú (Edom) prospera materialmente e torna-se uma nação com chefes e reis, mas permanece fora da linha da promessa messiânica, enquanto Jacó (Israel), mesmo sem o mesmo vigor político inicial, é o portador da bênção da aliança. Historicamente, Gênesis 36 preserva informações valiosas sobre clãs e reis edomitas, nomes de lugares e povos que interagiriam com Israel mais tarde, confirmando que os edomitas “são citados no Antigo Testamento somente porque fazem parte da história de Israel”. Warren Wiersbe ressalta que “‘Esaú’ e ‘Edom’, inimigos declarados dos israelitas, são mencionados mais de duzentas vezes na Bíblia, mas os nomes ‘Jacó’ e ‘Israel’ aparecem mais de duas mil vezes!”. Isso mostra a diferença de protagonismo: Edom figura principalmente como nação vizinha (frequentemente inimiga) de Israel, enquanto Israel ocupa o centro da história da redenção.
Do ponto de vista da composição e fontes, estudiosos percebem algumas peculiaridades neste capítulo. Por exemplo, há diferença nos nomes das esposas de Esaú entre as listas anteriores e esta: em Gênesis 26:34–35 e 28:9, as esposas são listadas como Judite, Basemate e Maalate, enquanto em 36:2–3 aparecem Ada, Oolibama e Basemate. Segundo comentaristas como Gordon Wenham, essas discrepâncias “provavelmente refletem diferentes fontes” ou tradições orais distintas sobre os casamentos de Esaú, não havendo dados suficientes para saber por que os nomes variam. Além disso, a seção de Gênesis 36 parece compilar várias listas genealógicas antigas: George H. Livingston identifica até seis listas incorporadas (descendentes de Esaú, chefes de Edom, horitas de Seir, reis de Edom, etc.), juntando registros que possivelmente circularam em diferentes épocas. Um forte indício de edição posterior é a frase em 36:31 – “antes de reinar rei algum sobre os filhos de Israel”. Essa nota editorial sugere que o escritor final sabia que Israel mais tarde teria reis. De fato, estudiosos apontam que tal frase não poderia ter sido escrita antes da monarquia israelita; possivelmente foi acrescentada no tempo de Saul ou Davi. Como explica uma nota exegética, “a frase ‘antes que qualquer rei israelita reinasse’ (36:31) mostra que [essa lista] foi adicionada [...] não antes do tempo em que Davi conquistou Edom (2Sm 8:13–14) ou Salomão enfrentou Hadade”. Em outras palavras, a genealogia de Gênesis 36 provavelmente inclui materiais de época mosaica (lista de clãs) combinados com atualizações feitas por redactores posteriores (lista de reis), mantendo-se, contudo, como registro inspirado da história familiar de Esaú. A seguir, examinaremos em detalhes cada seção desta passagem – as esposas e filhos de Esaú, os clãs edomitas, os habitantes originais de Seir, os reis de Edom e, por fim, a transição para Jacó em 37:1 – extraindo lições teológicas e pastorais relevantes.
Esaú em Canaã: Esposas, Filhos e a Separação de Jacó
Verso 1. “Estas são as gerações de Esaú (este é Edom).” Aqui inicia-se a genealogia de Esaú, identificado pelo apelido Edom. A menção “este é Edom” relembra o leitor que Esaú é o pai do povo edomita, fazendo um jogo de nomenclatura: assim como o nome pessoal de Jacó tornou-se o nome nacional “Israel” (cf. Gn 35:10), o nome pessoal de Esaú tornou-se “Edom” – palavra hebraica que significa “vermelho”, alusiva ao episódio do ensopado vermelho que levou Esaú a vender seu direito de primogenitura (Gn 25:30). A genealogia de Esaú é introduzida de modo semelhante à de Ismael em Gênesis 25:12–18: primeiro apresenta-se sua família e descendência imediata, para depois narrar sua saída de Canaã. Isso evidencia a estrutura deliberada de Gênesis em registrar brevemente as linhagens dos filhos que não portam a promessa (Ismael, Esaú), antes de seguir com o ramo escolhido (Isaque, Jacó). Conforme a observação de Matthew Henry, Moisés, ao compilar Gênesis, “preserva os registros da igreja de Deus, e não o registro daqueles que estão fora dela”. Ou seja, dá-se notícia de Esaú e seus descendentes (porque, afinal, também são parte da história humana sob a providência divina), porém sem entrar em detalhes de suas vidas, pois a revelação bíblica acompanhará principalmente a linhagem do pacto abraâmico (Jacó/Israel). Os versículos 1 e 8 funcionam juntos como uma espécie de inclusio, enfatizando: “Esaú é Edom” (v.1) e “Esaú habitou no monte Seir; Esaú é Edom” (v.8). Isso sublinha a identidade nacional de Esaú e marca o fim de sua história dentro do texto sagrado.
Versos 2–5. A lista começa recordando os casamentos de Esaú e os filhos nascidos em Canaã: “Esaú tomou suas esposas dentre as filhas de Canaã…” (v.2). Três esposas são nomeadas aqui: Ada, filha de Elom hitita; Oolibama, filha de Aná (filho de Zibeão, um hivita); e Basemate, filha de Ismael e irmã de Nebaiote. Cada esposa deu a Esaú filhos: Ada gerou Elifaz; Basemate gerou Reuel; e Oolibama gerou Jeús, Jalão e Coré (v.4-5). Há um aparente conflito de nomes em relação às passagens anteriores: em Gênesis 26:34-35, Esaú havia se casado com Judite (filha de Beeri, heteu) e com Basemate (filha de Elom, heteu); e em 28:9 menciona-se Maalate, filha de Ismael. Já aqui, “Basemate, filha de Ismael” parece corresponder à Maalate de antes (talvez Basemate fosse outro nome dela), e “Ada, filha de Elom” provavelmente corresponde à Basemate filha de Elom mencionada antes (ou seja, Ada seria outro nome de Basemate, filha de Elom). Quanto a Judite (filha de Beeri, heteu), não aparece em Gênesis 36 – possivelmente seria outro nome para Oolibama, ou talvez Judite tenha falecido sem filhos, não sendo listada. Harmonizações propostas sugerem que algumas esposas tinham dois nomes (um nome pessoal e um nome tribal ou apelido), ou que Moisés utilizou fontes diferentes para registrar os nomes. O mais provável, conforme vimos, é que fontes distintas usem nomes variantes para as mesmas mulheres (por exemplo, “Maalate” também chamada “Basemate”; “Judite” possivelmente identificada com “Ada” ou “Oolibama”). Em todo caso, os casamentos de Esaú tiveram um significado teológico importante: Esaú desposou mulheres cananitas, coisa que foi motivo de grande desgosto para Isaque e Rebeca (Gn 26:34-35). Quando Jacó foi enviado para casar com uma parente na Mesopotâmia, Esaú percebeu que suas esposas cananeias eram malvistas pelos pais e, numa tentativa de agradar a Isaque, tomou também uma esposa da linhagem de Ismael (Gn 28:6-9). Contudo, esse gesto foi superficial: “apesar do desejo de Esaú agradar a seu pai, faltava-lhe a perspicácia espiritual”, comenta Bruce Waltke, pois Esaú apenas imitou externamente o irmão sem compartilhar da fé e do discernimento dele. Wiersbe conclui que essa atitude comprova que “Esaú desprezava tudo o que era espiritual”, escolhendo esposas por motivos meramente humanos e contrariando os valores da família da aliança. Assim, os versos 2–5 não só registram a prole de Esaú, mas também reforçam seu desalinhamento espiritual: ao contrário de Jacó, que buscou esposas entre o povo de Deus, Esaú misturou-se com os cananeus e ismaelitas, mostrando pouca consideração pela herança espiritual de Abraão.
Versos 6–8. Após listar a família imediata de Esaú, o texto narra um evento crucial: “Então Esaú tomou suas esposas, seus filhos, suas filhas e todas as pessoas de sua casa, seu gado e todos os seus animais e todos os bens que havia adquirido na terra de Canaã, e foi para outra terra, apartando-se de seu irmão Jacó” (v.6). Esaú decide mudar-se definitivamente para a região montanhosa de Seir, ao sudeste de Canaã. O motivo prático dado em Gênesis 36:7 é que os bens e rebanhos de ambos os irmãos eram numerosos, e a terra de Canaã não podia sustentá-los habitando juntos – muito semelhante à separação amigável entre Abrão e Ló em Gênesis 13:5-11. De fato, “a separação de Jacó e Esaú (vv.6-8) nos lembra o que aconteceu com Abraão e Ló”; assim como houve contenda entre os pastores de Abrão e Ló levando-os a dividir terras, agora a prosperidade material de Jacó e Esaú torna prudente que se estabeleçam em regiões distintas, evitando conflitos futuros. Há também uma razão teológica subjacente: Deus estava dirigindo os passos para cumprir Seu plano soberano. Canaã era a terra prometida a Jacó, herdeiro da aliança, enquanto Seir (Edom) seria a possessão de Esaú, conforme já indicavam as promessas feitas a Abraão e Isaque. Séculos depois, Moisés diria aos israelitas que não invadissem os territórios de Edom, lembrando que Deus tinha dado o monte Seir para Esaú como propriedade: “Quanto a Esaú, dei-lhe a posse do monte Seir” (Dt 2:5; cf. Js 24:4). Matthew Henry comenta que aqueles que não têm direito à herança da promessa (como Jacó tinha em relação a Canaã) ainda podem ter “um bom documento de posse de seus bens através da providência, como Esaú teve em relação ao monte Seir”. Em outras palavras, embora Esaú não fosse o escolhido para a linhagem messiânica, Deus em Sua bondade lhe concedeu prosperidade e uma terra para habitar, ainda que fora de Canaã. É possível que o próprio Isaque tenha incentivado Esaú a fixar-se em Seir antes mesmo da morte do pai – assim como Abraão, em vida, enviou os filhos das concubinas para longe de Isaque (Gn 25:6) – de modo a evitar disputa pela terra de Canaã com Jacó. Seja como for, após a morte de Isaque (Gn 35:29), Esaú retirou-se de vez para o monte Seir, levando consigo seus familiares e bens, e deixando Canaã livre para Jacó. Henry destaca que aqui vemos a mão de Deus garantindo o cumprimento de Sua palavra: “qualquer que seja o obstáculo colocado, a palavra de Deus será cumprida, e mesmo aqueles que se opuseram a ela, mais cedo ou mais tarde, se verão obrigados a se submeter”. Esaú talvez inicialmente disputasse a primazia, mas ao final submeteu-se ao propósito divino, assentando-se fora da Terra Prometida. Essa separação pacífica cumpre também a profecia dada a Rebeca antes do nascimento dos gêmeos: “Duas nações há no teu ventre... um povo será mais forte que o outro, e o mais velho servirá ao mais moço” (Gn 25:23). No momento de Gênesis 36, pode até parecer o contrário – Esaú já estabelecido com família numerosa e território próprio, enquanto Jacó é apenas um pastor nômade em Canaã – contudo, a longo prazo, Edom acabaria sujeito a Israel (v.g. 2Sm 8:14), cumprindo-se assim que a linhagem de Jacó prevaleceria.
Em suma, Gênesis 36:1-8 mostra Esaú “fora de Canaã, com suas riquezas e família, indo para Seir”, ao passo que Jacó permanece em Canaã (como será ressaltado em 37:1). Essa divisão geográfica e familiar evidencia o tema da eleição divina: Jacó, embora mais fraco aos olhos humanos, carrega a bênção da aliança; Esaú, embora próspero em bens e poder terreno, fica fora da linha messiânica. Antes de prosseguir, vale notar a ironia providencial: Esaú recebeu de Isaque uma “bênção comum” (Gn 27:39-40) – a riqueza “do orvalho do céu e da fertilidade da terra”, vivendo da espada e eventualmente quebrando o jugo do irmão. De fato, ele prosperou materialmente e constituiu sua própria nação livre antes de Israel; entretanto, não recebeu a bênção suprema, aquela reservada a Jacó: ser portador das promessas de Deus para redenção do mundo. Isso traz ricas implicações teológicas, que exploraremos mais adiante, ao contrastar Esaú e Jacó no plano da eleição divina (ver seção sobre Jacó vs. Esaú e a Teologia da Eleição abaixo).
Os Descendentes e Clãs de Esaú em Edom
Verso 9. “Estas são as gerações de Esaú, pai dos edomitas, no monte Seir.” Este enunciado marca uma segunda parte da genealogia, focada nos descendentes de Esaú já estabelecidos em Seir. É possível que aqui comece o que alguns estudiosos chamam de “segundo registro” (ou segunda fonte) integrado no capítulo. De qualquer forma, repete-se o nome de Esaú e a identificação como progenitor dos edomitas em Seir, preparando o leitor para listas mais detalhadas dos filhos, netos e chefes de Edom. A menção “pai dos edomitas” ressalta que Esaú não apenas habitou em Seir, mas tornou-se o ancestral epônimo de todo um povo.
Versos 10–14. Estes versículos elencam os filhos e netos de Esaú por cada esposa:
De Ada, sua esposa hitita, nasceu Elifaz (v.10). Elifaz, por sua vez, teve filhos que se tornaram netos de Esaú: Temã, Omar, Zefo, Gaetã e Quenaz (v.11). Além desses, é ressaltado que Elifaz teve um filho adicional, Amaleque, por meio de uma concubina chamada Timna (v.12). Aqui aparece uma figura significativa: “Timna era concubina de Elifaz... e deu à luz Amaleque”. Amaleque tornar-se-ia patriarca dos amalequitas, um povo que viria a ser “inimigo cruel e implacável do povo de Israel”. De fato, os amalequitas atacaram Israel no Êxodo (Êx 17:8-16) e foram alvo de juízo divino em várias ocasiões (cf. Dt 25:17-19; 1Sm 15). Mencionar Amaleque dentro da genealogia de Esaú reforça o quadro profético de Gênesis: não apenas Edom, mas até ramos colaterais de sua descendência (Amaleque) estariam em constante conflito com os descendentes de Jacó. Outra observação: Temã, primogênito de Elifaz, dá nome à região de Temã em Edom – mais tarde conhecida pela sabedoria de seus habitantes (Jó 2:11, o amigo de Jó chamado Elifaz era “temanita”) e citada nos profetas (Am 1:12; Ob 9). Assim vemos que alguns netos de Esaú tornam-se epônimos de clãs ou localidades importantes: Temã, por exemplo, tornou-se sinônimo de Edom (Jr 49:7, “Os sábios de Temã”; Ob 9). “Quenaz” também é nome que aparecerá em outros contextos (por exemplo, Otoniel, juiz de Israel, era “filho de Quenaz”, talvez descendente deste clã edomita que pode ter se incorporado a Judá em alguma época). Essas conexões mostram que a história de Esaú entrelaça-se com a de Israel – seus descendentes ocasionalmente interagem com a linhagem de Jacó, seja em inimizade (Amaleque) ou absorção cultural (os quenizeus).
De Basemate, filha de Ismael, nasceu Reuel (v.10). Os filhos de Reuel (netos de Esaú por Basemate) foram: Naate, Zera, Samá e Mizá (v.13). Comparativamente, esses nomes são menos mencionados em outros textos bíblicos, mas vale notar que Zera lembra a palavra “vermelho” (hebraico sar, possivelmente relacionada a Edom) e poderia indicar outra raiz de nomes edomitas. Não há detalhes adicionais sobre esses netos na Bíblia, indicando que foram clãs menores ou menos envolvidos com Israel.
De Oolibama, a esposa hivita, Esaú teve três filhos: Jeús, Jalão e Coré (v.14, repetindo o v.5). Curiosamente, esses três não tiveram lista de filhos aqui – possivelmente ou não tiveram descendência significativa registrada, ou suas linhagens estão incluídas de outra forma. O nome Coré aparece também entre os filhos de Elifaz listados em 1Crônicas 1:35-36, sugerindo que pode ter havido alguma confusão textual ou integração de listas diferentes (em 1Crônicas, Corá/Coré figura como filho de Elifaz, enquanto em Gênesis 36 ele é filho de Esaú por Oolibama). É possível que Coré tenha sido considerado tanto um filho direto de Esaú quanto associado ao clã de Elifaz; alguns estudiosos especulam que Coré poderia ser genro de Esau, casado com Oolibama após a morte de Esaú, gerando linhagem sob o nome do sogro – mas isso é incerto. Em todo caso, Gênesis 36 não se detém em esclarecer essas relações, apenas faz o registro nominal.
Em resumo destes versos, temos cinco filhos de Esaú (contando Elifaz, Reuel, Jeús, Jalão, Coré) e uma série de netos. Aqui encerra-se a enumeração linear dos descendentes diretos. O texto então muda ligeiramente o formato para destacar a organização sociopolítica emergente em Edom.
Versos 15–19. Agora são listados os “chefes” (clãs) de Edom derivados dos filhos de Esaú: “São estes os chefes dos filhos de Esaú…”. A palavra traduzida como “chefes” é o hebraico aluf, que indica líderes tribais, cabeças de clã ou “principais” de sua gente. Esses chefes eram como príncipes regionais dentro de Edom, cada um dando nome a um grupo familiar ou território. A lista menciona:
“Chefes dos filhos de Elifaz, primogênito de Esaú: o chefe Temã, chefe Omar, chefe Zefo, chefe Quenaz, chefe Coré, chefe Gaetã e chefe Amaleque” (v.15-16). Ou seja, todos os netos de Esaú via Elifaz (incluindo Amaleque) tornaram-se chefes de clãs edomitas. Notemos que Coré aparece aqui novamente, agora como chefe associado a Elifaz – reforçando a possível sobreposição mencionada. A presença de Amaleque como aluf sugere que, embora Amaleque e sua tribo mais tarde agissem independentemente, eles originalmente eram contados entre os clãs edomitas (isso faz sentido, pois Amaleque era neto de Esaú).
“Eis os chefes de Reuel... chefe Naate, chefe Zera, chefe Samá, chefe Mizá” (v.17). Os netos de Esaú via Reuel (filhos de Basemate) também se tornaram líderes tribais dentro de Edom.
“Eis os chefes dos filhos de Oolibama (filhos de Esaú): chefe Jeús, chefe Jalão, chefe Coré” (v.18). Os três filhos de Esaú com Oolibama igualmente lideraram clãs.
O verso 19 conclui: “Estes são os filhos de Esaú, e estes os seus chefes; ele é Edom.” Novamente reiterando que Esaú (Edom) deu origem a todos esses grupos. Essa seção revela que Edom se estruturou em uma confederação de clãs, cada qual com seu aluf ou príncipe, semelhantes talvez às tribos e chefes de Israel (os nasi' das tribos). No caso de Edom, a liderança era familiar: cada filho ou neto importante de Esaú tornou-se patriarca de um clã. Não havia ainda um único rei sobre Edom nesse estágio inicial; em vez disso, vários sheikhs tribais governavam suas respectivas áreas. Isso corresponde com outras referências bíblicas que chamam os líderes edomitas de “chefes” (ou “duques”, em traduções mais antigas), por exemplo Êxodo 15:15 e 1Crônicas 1:51-54. Mais adiante, em Gênesis 36:40-43, veremos outra lista de chefes baseada em localidades, reforçando essa estrutura descentralizada.
É interessante notar que quatro dos nomes de chefes aqui correspondem a nomes listados anteriormente como filhos ou netos (Temã, Quenaz, Coré, Amaleque). Isso indica que a narrativa primeiro apresentou a genealogia linear e depois ressintetizou os dados na forma de estrutura tribal. Os chefes listados “nas duas genealogias segmentadas precedentes” equivalem aos descendentes já mencionados. Essa repetição em forma de título (chefe) sugere que esses nomes de pessoas também designavam seus grupos e posses territoriais. Conforme destaca um comentário, “É provável que estes nomes de clãs, que são também nomes de suas regiões, representem distritos administrativos dentro do reino [de Edom]”. Ou seja, Temã, por exemplo, era tanto a pessoa (neto de Esaú) quanto a região/clã por ele fundado (a “terra de Temã”); o mesmo para os outros.
Um princípio teológico que sobressai desses versículos é o já mencionado por Matthew Henry: “Apenas os nomes dos filhos e netos de Esaú são relacionados, e somente os seus nomes, não as suas histórias. Pois Moisés preserva os registros da igreja de Deus, e não o registro daqueles que estão fora dela”. Isto é, diferentemente dos patriarcas de Israel cujas vidas são narradas com detalhes, os descendentes de Esaú aparecem apenas como nomes em listas genealógicas, sem relatos de feitos ou experiências com Deus. Eles estão “fora” da linha do pacto, portanto suas histórias individuais não são desenvolvidas na Escritura – a não ser quando cruzam o caminho de Israel. Ainda assim, esses nomes não são irrelevantes: compõem o pano de fundo do cenário histórico de Israel. Israel conheceria bem esses clãs vizinhos; por exemplo, Temã seria conhecida por sua sabedoria (Jr 49:7), Amaleque por sua inimizade, Quenaz possivelmente assimilado; e até mesmo um descendente de Elifaz (Temã), chamado Jobabe, possivelmente veio a reinar em Edom (Gn 36:33). Em síntese, Gênesis 36:9-19 nos mostra Edom crescendo em número e estrutura, cumprindo a palavra dada a Rebeca de que de Esaú sairia um “povo”. Edom está agora estabelecido com vários clãs familiares poderosos, prelúdio para a próxima fase em que se menciona a existência de reis nessa terra.
Os Horitas Nativos do Seir e a Integração com Edom
Antes de listar os reis de Edom, o texto insere uma genealogia diferente: a dos habitantes originais da região de Seir, chamados de horitas. Os versos 20–30 catalogam os clãs descendentes de Seir, o horita. Os horitas (ou horeus) eram o povo que habitava o monte Seir antes da chegada de Esaú. Essa inclusão demonstra que, para compreender a composição do povo edomita, é preciso notar que Esaú e sua família se mesclaram com os moradores prévios de Seir.
Versos 20–21. Introdução: “Estes são os filhos de Seir, o horita, moradores da terra: Lotã, Sobal, Zibeão, Aná, Disom, Eser e Disã; estes são os chefes dos horitas, filhos de Seir, na terra de Edom.” Ou seja, Seir teve sete filhos que se tornaram patriarcas de clãs horitas. O termo “horita” possivelmente deriva de Hor (“caverna”), sugerindo “povo das cavernas” – talvez referindo-se a trogloditas ou tribos que habitavam as montanhas de Edom em grutas. A terra de Seir recebe seu nome desse antepassado, e curiosamente “Seir” em hebraico significa “peludo”, um paralelo interessante com Esaú (que também nasceu peludo, Gn 25:25, e cujo nome Esaú pode soar como “peludo”). Assim, tanto Esaú quanto Seir têm nomes ligados a pelos/cabelos, talvez coincidindo providencialmente para unir suas histórias.
Os versículos 22–28 listam os filhos (e até netos) de cada um desses clãs horitas:
Lotã teve dois filhos: Hori e Hemã (v.22). Sua irmã, Timna, é mencionada. Timna é notável porque é a mesma mulher citada antes como concubina de Elifaz, filho de Esaú (v.12). Isso significa que Esaú, ao se estabelecer em Seir, tomou por concubina de seu filho uma mulher da família princípal horita. Essa interconexão mostra uma fusão familiar: Timna, irmã de um chefe horita, torna-se concubina do clã de Esaú, unindo assim as duas linhagens. Pode ter sido uma aliança estratégica entre Esaú e os nativos.
Sobal teve cinco filhos: Alvã, Manaate, Ebal, Sefo e Onã (v.23). Pouco se sabe deles além dos nomes.
Zibeão teve dois filhos: Aías e Aná (v.24). Há aqui uma pequena narrativa parentética: “Este é aquele Aná que achou fontes termais (ou mulas) no deserto, quando apascentava os jumentos de Zibeão, seu pai.” (v.24). Esse detalhe indica que Aná descobriu algo significativo no deserto – dependendo da tradução, pode ser águas termais (LXX e Vulgata entendem assim) ou mulas (algumas tradições rabínicas). De qualquer forma, esse Aná parece ser uma figura conhecida na tradição, a ponto de ser destacado por sua descoberta. Ele possivelmente se trata do mesmo Aná filho de Zibeão que veremos a seguir como pai de Oolibama (mas há alguma complicação, pois no verso 25 fala-se de “Ana filho de Zibeão” e “Ana que é filho de Seir” – talvez fossem dois Anás diferentes, ou um erro copista. Provavelmente é um só Aná, filho de Zibeão, neto de Seir).
Aná (filho de Zibeão, mencionado acima) teve uma filha: Oolibama; e um filho: Disom (v.25). Aqui percebemos que Oolibama, esposa de Esaú, era filha deste Aná horita. Isso já havia sido dito no verso 2: “Oolibama, filha de Aná, filho de Zibeão”. Logo, Jacó casou-se com mulheres arameias da família de Abraão, mas Esaú casou-se com mulheres cananeias e uma horita (Oolibama). Assim, Esaú uniu-se aos povos nativos de Seir por casamento, integrando-se a eles. O filho de Aná, Disom (homônimo de um dos filhos de Seir), teve dois filhos: Hemdã e Esbã, e também um neto de nome estranhamente igual ao dele (Disom) listado adiante – possivelmente “Disom” se repete por homonímia ou confusão (os textos antigos têm variações nos nomes dos horitas).
Disom (outro filho de Seir, homógrafo ao neto mencionado) teve três filhos: Uz e Arã (v.28). “Uz” chama atenção porque é nome de uma região ao sul de Edom, conhecida como terra de Jó segundo alguns (Lm 4:21 menciona “a terra de Uz” relacionando-a a Edom; e Jó 1:1 coloca Jó na terra de Uz – possivelmente na Transjordânia). Pode ser coincidência de nome, mas sugere que algum clã horita deu nome a essa região.
Em seguida (v.29-30), a passagem reitera: “Estes são os chefes dos horitas: chefe Lotã, chefe Sobal, chefe Zibeão, chefe Aná, chefe Disom, chefe Eser, chefe Disã; estes foram os chefes dos horitas, segundo os seus clãs na terra de Seir.” Ou seja, os mesmos nomes dos filhos de Seir são repetidos como alufim, chefes tribais horitas. Isso enfatiza que antes de Esaú chegar, a terra de Seir já era organizada em clãs, e esses clãs continuaram sendo reconhecidos. Só que agora eles coexistem ou estão submetidos ao domínio de Esaú/Edom. De acordo com Deuteronômio 2:12, “Os horitas também habitavam Seir outrora, mas os filhos de Esaú os desapossaram e os destruíram de diante de si, e habitaram em seu lugar”. Portanto, ou Esaú absorveu pacificamente esses povos via casamentos e alianças (como sugerido pela integração de Timna e Oolibama), ou houve conflito e conquista (como dito em Dt 2:12). Provavelmente ambas as coisas: alianças matrimoniais e luta contribuíram para Edom tomar posse completa do território. Gênesis 36 não narra as batalhas, apenas deixa implícito, pela justaposição das genealogias, que os descendentes de Esaú se tornaram senhores de Seir, sucedendo aos horitas.
Teologicamente, a inclusão dessa lista horita sublinha que, embora Esaú fosse abençoado com uma terra, ele a conseguiu parcialmente tomando-a de outros povos, diferentemente de Israel que receberia Canaã por mandado direto de Deus no tempo certo. Ainda assim, Deus permitiu a Esaú estabelecer-se em Seir, até com certa antiguidade em relação a Israel. Os edomitas já estavam estruturados sobre um substrato horita enquanto Israel ainda peregrinaria séculos no Egito e deserto. Essa precedência histórica talvez alimentasse o orgulho de Edom (Obadias 1:3-4), mas não invertia a eleição divina: Israel, apesar de “atraso” político, continuava sendo o povo da promessa.
Em suma, Gênesis 36:20-30 complementa o quadro genealógico mostrando as raízes dos edomitas na terra de Seir. Essa terra não estava vazia – possuía povos e príncipes – mas passou a ser conhecida pelo nome de Esaú. Vemos aqui a misericórdia comum de Deus: Ele deu uma herança para Esaú, assim como para Ismael (que se estabeleceu em outra região), cumprindo a palavra dada a Abraão de que faria nações também dos seus outros filhos (Gn 17:20). Contudo, por mais que Edom tenha sua genealogia e território registrados, o interesse bíblico nesses dados é subsidiário: serve de pano de fundo para as futuras interações com Israel e para destacar, por contraste, o destino de Jacó. Como Henry sintetiza usando o Salmo 87:5, “É Sião que produz homens de bom nome, não Seir”. Em outras palavras, os horitas e edomitas produziram seus clãs e líderes renomados aos olhos do mundo antigo, porém os “homens de nome” na perspectiva eterna (isto é, os que têm lugar no plano redentivo de Deus) vêm de Sião, da linhagem de fé. Mesmo assim, as genealogias dos povos vizinhos são registradas para mostrar que Deus guia a história de todas as nações, ainda que Seu plano salvífico corra por um fio específico (no caso, Israel).
Os Reis de Edom antes da Monarquia Israelita
Chegamos agora a um aspecto singular: Edom teve reis estabelecidos antes de Israel. Os versos 31–39 trazem: “Estes são os reis que reinaram na terra de Edom, antes que reinasse rei algum sobre os filhos de Israel.” Esta introdução (v.31) é altamente reveladora. Como já mencionamos, ela indica que, quando esse registro foi consolidado, já havia reis em Israel – portanto provavelmente durante ou após o reinado de Saul/Davi. Historicamente, Israel instituiu seu primeiro rei (Saul) por volta de 1050 a.C., enquanto Edom, ao que parece, já tinha uma tradição de realeza bem antes disso. A frase pode ser entendida de duas formas, pois no original não há a palavra “Israelita” explicitamente – poderia ler-se “antes que reinasse rei algum sobre os filhos de Israel” ou “...reinasse rei algum em Israel”. De todo modo, ambas as ideias convergem, já que o primeiro rei de Israel (Saul) imediatamente entrou em conflito com Edom e Davi depois subjugou Edom. Os comentaristas observam que “os dois eventos são quase equivalentes: Saul, o primeiro rei de Israel, guerreou contra Edom (1Sm 14:47); e Davi os subjugou e estabeleceu guarnições por todo Edom (2Sm 8:13-14)”. Portanto, Edom ter reis “antes de Israel” não significou vantagem permanente – pelo contrário, já no tempo de Davi a profecia do serviço do mais velho ao mais novo se manifestou quando Edom ficou sob domínio israelita. Ainda assim, o fato de Edom possuir uma lista de oito reis independentes demonstra que Esaú se estruturou politicamente cedo. Isso cumpre, em certo sentido, a bênção de Isaque a Esaú de que ele “viveria pela espada” (Gn 27:40), implicando força guerreira e organização.
Vejamos a lista dos reis edomitas:
Bela, filho de Beor, reinou em Edom, e sua cidade-capital chamava-se Dinabá (v.32). Nada mais se sabe sobre Bela e Dinabá; o nome de seu pai, Beor, curiosamente é igual ao do pai do profeta Balaão (Nm 22:5), mas provavelmente não há relação a não ser coincidência de nome.
Jobabe, filho de Zerá, de Bozra, sucedeu Bela (v.33). Bozra é uma cidade que mais tarde tornou-se famosa em Edom – identificada com o sítio de Buseira na atual Jordânia, cerca de 35 km a sudeste do Mar Morto. Bozra acabou virando uma metonímia para Edom como um todo nos profetas (Is 34:6, “um sacrifício em Bozra”; Is 63:1, “quem é este que vem de Edom, de Bozra?”; Jr 49:13). O fato de um rei vir de Bozra indica a importância dessa localidade desde cedo. Jobabe pode ser nome variante de Joabe ou Job; alguns antigos chegaram a especular se este Jobabe poderia ser Jó, o personagem bíblico, já que Jó 1:3 o chama de “o maior de todos do Oriente” e alguns situam Jó em Edom. Isso porém é conjectura não comprovada – é mais provável que Jobabe fosse simplesmente um líder local que assumiu realeza após Bela.
Husã, da terra dos temanitas, sucedeu Jobabe (v.34). “Terra dos temanitas” refere-se à região de Temã (já citada), ao sul da atual Jordânia. Não diz de quem Husã era filho, apenas sua área de origem. O texto parece indicar que a realeza não era hereditária – repare que cada rei mencionado é de origem tribal diferente e de cidade diferente. Isso sugere que, em Edom, o trono podia passar de um clã a outro, talvez por escolha dos líderes ou por força militar, não havendo uma dinastia fixa. A ausência de “filho de” ou “descendente de rei anterior” reforça que cada rei era independente em sua geração.
Hadade, filho de Bedade, de Avite, foi o próximo (v.35). Diz-se que “este derrotou Midiã no campo de Moabe”. Ou seja, registra-se uma façanha militar de Hadade: ele venceu os midianitas em território moabita. Isso indica que Edom (ou este rei edomita) guerreou além de suas fronteiras, envolvendo-se nas disputas regionais. Midiã e Moabe estão a leste e sul do Mar Morto; talvez Midiã tivesse invadido Moabe e Edom interveio, ou vice-versa. Hadade era também o nome de um deus semita (Hadad, deus da tempestade, equivalente a Baal), e foi nome de vários reis sírios posteriormente. Aqui, Hadade pode ser um nome teofórico (como alguém chamado “Baal” ou “Baal-Hanã” que veremos adiante). A capital de Hadade era Avite (local desconhecido).
Nota: O texto menciona “campo de Moabe”, possivelmente uma planície moabita onde ocorreu a batalha. A vitória contra Midiã sugere que Edom era um poder a ser reconhecido na região.
Samla, de Masreca, reinou depois de Hadade (v.36). Nada mais é dito de Samla. Masreca também não é identificada com certeza; há sugestões arqueológicas de ser um lugar na Arábia Pétrea, talvez perto de Petra, mas é incerto.
Saul, de Reobote junto ao rio, sucedeu Samla (v.37). “Reobote” significa “largueza” ou “praças”, e “Reobote junto ao rio” provavelmente refere-se a uma cidade próxima ao rio Eufrates ou mais provavelmente a um rio local importante, talvez o Rio Zered ou Arnon que corriam na fronteira de Edom/Moabe. Alguns estudiosos pensam em Reobote do Rio Eufrates, o que seria muito ao norte (área da Mesopotâmia), podendo sugerir influência edomita mais extensa ou talvez um mercenário estrangeiro que reinou em Edom. Outra hipótese é que “junto ao rio” se refira ao Wadi el-Hésa, um vale que separa Moabe de Edom (identificado com o Zered, fronteira natural). De qualquer modo, Saul (não confundir com Saul de Israel) veio de fora do núcleo original de Edom, mostrando novamente a pluralidade de origens dos reis.
Baal-Hanã, filho de Acbor, foi o próximo (v.38). O nome Baal-Hanã significa “Baal é misericordioso/gracioso”. Sua cidade não é informada aqui (“nenhuma capital é fornecida”, nota-se no comentário), mas em 1Crônicas 1:49 diz que quando Saul de Reobote morreu, “Baal-Hanã, filho de Acbor” reinou em seu lugar. É possível que Acbor (significa “rato” em hebraico) fosse figura conhecida; havia um Acbor nos tempos de Jeremias (Jr 26:22), mas não relacionado. A ausência do nome da cidade talvez indique que Baal-Hanã governou de forma itinerante ou de uma localidade menor.
Hadade (ou Hadar), filho de Bedade? – O texto massorético diz “Hadad” novamente (v.39), mas 1Crônicas 1:50 registra o nome como Hadade e diz “morreu Baal-Hanã, e Hadade filho de Bedade reinou em seu lugar”. Porém aqui Gênesis 36:39 apresenta: “E reinou em seu lugar Hadar; o nome de sua cidade foi Paú; o nome de sua mulher era Mehetabel, filha de Matrede, filha de Me-Zaabe.” Há variação textual: algumas traduções mantêm Hadad em vez de Hadar. É provável que seja o mesmo nome repetido (Hadad), ou uma variante dialetal. Esse último rei mencionado tem distinções: primeiro, é o único na lista cujo nome da esposa é dado (Mehetabel, neta de Me-Zaabe). Isso sugere que “apresenta-se o nome da esposa de Hadade, não de seu pai, pressupondo sua eminente ancestralidade”. Ou seja, ao citar a linhagem familiar de sua esposa (filha de Matrede, neta de Me-Zaabe), parece indicar que Hadade se casou em família nobre, talvez reforçando laços dinásticos. Isso pode significar que a sucessão dinástica começou a se formar em Edom a partir desse rei. De fato, é possivelmente esse Hadade que, muitos anos depois, seria o príncipe edomita que fugiu para o Egito quando Davi conquistou Edom, e retornou na época de Salomão para incitar rebelião (1Rs 11:14-22). O texto de Reis diz que “Hadade era da semente real de Edom” (1Rs 11:14) e que após a derrota de Edom por Joabe no tempo de Davi, Hadade, então “pequeno menino”, foi levado ao Egito e criado lá, retornando depois. Se for o mesmo indivíduo (ou um descendente seu com mesmo nome), isso encaixaria com a menção de sua esposa de família aristocrática: Hadade teria casado com Mehetabel, possivelmente consolidando-se como fundador de uma dinastia edomita. A tradição judaica posterior de Josefo, por exemplo, chega a identificar este Hadad de Gênesis 36 com o “Hadade idumeu” dos tempos de Salomão, mas a cronologia é complicada. Em todo caso, o autor sagrado considerou relevante registrar esses detalhes de Hadade, talvez por ele estar vivo (ou ser relembrado) quando Israel já tinha monarquia – servindo de ligação histórica.
Após Hadade/Hadar, não são listados mais reis, possivelmente porque a narrativa genealógica encerra-se aí. 1Crônicas 1:51 acrescenta “depois dele vieram os chefes de Edom”, apontando para a próxima seção.
Análise e implicações teológicas: A lista de reis edomitas chama atenção por vários motivos. Primeiro, como já destacado, a falta de continuidade familiar explícita entre os reis (salvo o possível parentesco do último Hadade com Bedade, que pode ser seu avô, e a menção da família da esposa) indica que Edom tinha um sistema político diferente do israelita. Israel, a partir de Davi, teria uma dinastia contínua (a “casa de Davi”), enquanto Edom nos primórdios parece ter tido uma sequência de governantes de diversas origens tribais e geográficas. Isso pode refletir um modelo de governo eleito pelos clãs ou uma hegemonia rotativa – algo até semelhante aos “juízes” de outras nações. Essa particularidade pressupõe credibilidade histórica, como notam alguns eruditos: a singularidade de uma lista assim – sem genealogia linear – dificilmente seria inventada posteriormente, o que reforça que estamos diante de uma tradição genuinamente antiga sobre Edom.
Segundo, a supremacia de Edom antes de Israel ter reis ressalta um paradoxo da providência: os não eleitos (Esaú/Edom) aparentemente chegaram lá primeiro – eles formaram um reino organizado enquanto Israel ainda nem existia como nação constituída. Edom poderia se orgulhar: “Tivemos reis muito antes de vocês!” Contudo, a história mostra que ter um reino cedo não garantiu permanência ou favor divino. Pelo contrário, a frase “antes de haver rei em Israel” implicitamente faz o leitor (que já conhece Saul, Davi, etc.) perceber que Israel, embora tardio na monarquia, tinha o respaldo de Deus para sua realeza – especialmente na figura de Davi, o ungido do Senhor. E Edom, apesar de seus antigos reis, acabaria servindo a Davi (2Sm 8:14) e a outros reis de Judá em períodos subsequentes (Ed 8:22). Isso nos ensina algo: prosperidade e poder precoces do ímpio não invalidam o propósito de Deus para o justo. Como Asafe reflete no Salmo 73, pode parecer que os ímpios florescem e os piedosos sofrem, mas no fim Deus estabelece firmemente aqueles que Lhe pertencem. Edom teve um “auge” anterior, mas Israel – escolhido por Deus – receberia um reino eterno (2Sm 7:16, promessa messiânica a Davi).
Terceiro, do ponto de vista profético/messiânico, notar que Edom teve reis faz ecoar a bênção de Abraão: “reis procederão de ti” (Gn 17:6). Não apenas Israel teve reis – Esaú também gerou reis, cumprindo que de Abraão viriam “nações” e “reis” (Gn 17:5-6). Só que os reis de Edom não participam da linhagem messiânica. O verdadeiro Rei dos reis, o Messias, surgiria da linhagem de Jacó (Israel), especificamente da tribo de Judá (Gn 49:10). Nesse sentido, os reinos terrenos de Edom ilustram a glória transitória dos povos não pactuados, enquanto a promessa messiânica apontava para um reino superior em Israel. Interessantemente, na plenitude dos tempos, quando Jesus nasceu, um descendente de Esaú (Edom) estava no trono da Judeia: Herodes, o Grande, era idumeu (edomita) por ascendência. E Herodes tentou matar o menino Jesus, repetindo em outro nível a antiga inimizade entre Esaú e Jacó. Mas foi frustrado, e, anos depois, Jesus escapou ileso também de outro Herodes (Antipas, também edomita) e de Pilatos, para então morrer e ressuscitar conforme o plano de Deus. Podemos ver nisso uma alusão simbólica: o último “rei” de Edom tentou eliminar o verdadeiro Rei de Israel, mas fracassou, pois o plano messiânico de Deus não pode ser impedido. Assim, mesmo sem forçar tipologias, a história confirma Romanos 9:"Jacó amei, mas Esaú odiei" – ou seja, Deus escolheu Jacó para honrá-lo com o Reino eterno de Cristo, ao passo que Esaú (e seus reis) não gozaram desse favor especial e acabaram caindo. De fato, Edom como nação eventualmente foi julgada e desapareceu, conforme profecias de Obadias e Malaquias, enquanto Israel trouxe ao mundo o Salvador.
Antes de passar adiante, voltemos à frase final do verso 39: “Hadade morreu”. Com isso encerra-se a lista de reis e o autor não menciona mais sucessores, indicando que na época em que esta genealogia foi composta, possivelmente não havia ainda outro rei para mencionar (ou já era sabido que depois disso Edom foi incorporado ou dominado por Israel, como ocorreu com Davi). Em 1Crônicas 1:51, após Hadade, são listados de novo chefes de Edom (Temã, Alva, Jetete, etc.), o que pode indicar que após a morte de Hadade a estrutura de Edom voltou a ser de chefes tribais sem um rei central – talvez reflexo da dominação por Davi, quando não permitiram outro rei e sim governadores/clãs administrando sob supervisão israelita.
Em síntese, Gênesis 36:31-39 documenta a antiga monarquia edomita. Para o leitor original (israelita), isso teria dois efeitos: (1) Reconhecer que Edom era um povo irmão, com uma história política significativa (não apenas tribos nômades, mas reinos estabelecidos). (2) Ainda assim, lembrar que a promessa de Deus não estava com Edom, e sim com Israel – pois apesar de todos esses reis edomitas, era em Israel que surgiria a realeza segundo o coração de Deus (Davi) e finalmente o Messias. Assim, a soberania de Deus na eleição é sublinhada: “Os homens podem se exaltar e reinar antecipadamente, mas o conselho do Senhor é que prevalece”.
Quanto a aspectos de composição, reiteramos que essa lista de reis provavelmente foi incorporada por um redator vivendo em época monárquica, honrando os registros históricos disponíveis. Longe de ser uma adição espúria, contudo, ela enriquece o texto canônico e tem seu lugar pedagógico-teológico, como vimos.
Os Chefes de Esaú por Distritos
Finalmente, o capítulo 36 conclui com uma recapitulação dos chefes (clãs) edomitas, desta vez associando-os aos locais onde habitaram: “São estes os nomes dos chefes de Esaú, segundo as suas famílias, os seus lugares e os seus nomes...” (v.40). A lista inclui nomes como Timna, Alva, Jetete, Oolibama, Elá, Pinom, Quenaz, Temã, Mibzar, Magdiel e Irã – cada um precedido do título “chefe”. Muitos desses nomes já apareceram anteriormente como descendentes ou afins de Esaú (Timna, Oolibama, Quenaz, Temã). A diferença aqui é que eles são identificados “segundo os seus lugares”, isto é, cada chefe corresponde a uma região ou povoado de Edom. Por exemplo, Elá provavelmente refere-se a um território próximo do Golfo de Ácaba (há o Vale de Elá mencionado em Dt 2:8). Magdiel e Iram não são bem conhecidos fora daqui, mas possivelmente designam localidades dentro de Edom. Essa seção parece mapear a distribuição geográfica final dos clãs edomitas: “...segundo as suas habitações na terra da sua possessão” (v.43). Ou seja, descreve Edom já plenamente ocupada por esses grupos familiares, cada qual com sua zona.
A repetição de nomes de clãs aqui reforça o que já foi dito: os chefes edomitas deram nome tanto aos seus grupos quanto às regiões que ocupavam. Talvez essa lista final reflita uma divisão administrativa do reino de Edom, como se fossem províncias ou distritos vinculados aos nomes dos clãs principais. É comparável a dizer, por exemplo: “chefe Temã” não só é o líder do clã Temã, mas Temã é simultaneamente o distrito administrado por esse chefe. Aliás, o comentário já citado sugere exatamente isso: “É provável que estes nomes de clãs, que são também nomes de suas regiões, representem distritos administrativos dentro do reino” de Edom.
No v.43, a frase conclusiva é: “Este é Esaú, pai (antepassado) de Edom.” Essa afirmação encapsula todo o capítulo: enumeramos todos esses nomes, mas no fim tudo se resume a Esaú, irmão de Jacó, que deu origem aos edomitas. É um fecho literário amarrando de volta ao início (36:1, “Esaú, este é Edom”). Serve também para lembrar ao leitor israelita que os edomitas, apesar de inimigos frequentes, eram parentes consanguíneos. Os profetas e a lei refletiram isso: Deus mandou Israel não abominar o edomita “pois ele é teu irmão” (Dt 23:7). E genealogias como essa preservam justamente esse senso de parentesco histórico, ainda que espiritualmente houvesse divergência. Derek Kidner enfatizou esse ponto, como vimos, ao dizer que essa consciência de fraternidade emergiria na diplomacia e legislação (Nm 20:14, Dt 23:7). Assim, Gênesis 36 termina reafirmando a identidade de Edom como descendência de Esaú – um povo irmão, porém rival, de Israel.
Para nós, leitores atuais, essa longa lista pode parecer árida, mas cumpriu (e cumpre) funções importantes: (1) Mostra a fidelidade de Deus em cumprir Sua palavra a Abraão de multiplicar sua descendência (Esaú não foi do ramo eleito, mas ainda assim, por amor a Abraão, Deus fez dele uma grande nação, Gn 17:20). (2) Contextualiza a narrativa bíblica, lembrando que Israel não cresceu no vácuo – havia nações circunvizinhas aparentadas com eles, com as quais se relacionariam. (3) Adverte sobre os caminhos divergentes: Esaú e Jacó reconciliaram-se pessoalmente (Gn 33), mas as escolhas de Esaú o colocaram fora da herança espiritual, e essa genealogia é, por assim dizer, um “memorial genealógico” de alguém que prosperou no mundo, porém sem a aliança de Deus. Sobre isso, refletem bem as palavras de Wiersbe: “Gênesis 36 é um capítulo longo que contém muitos nomes, mas, no que se refere a Esaú, é o fim da história!”. Ou seja, depois de listar os numerosos descendentes de Esaú, a Bíblia não volta mais a focar em sua história, exceto quando Edom cruza o caminho de Israel. O propósito redentor segue adiante com Jacó.
Jacó em Canaã e a Teologia da Eleição
O primeiro versículo do capítulo 37 serve como charneira entre as genealogias de Esaú e a próxima grande seção (a história de José). Diz assim: “Habitou Jacó na terra das peregrinações de seu pai, na terra de Canaã.” (Gn 37:1). Em contraste com Esaú, que se estabelecera definitivamente em outra terra, Jacó permaneceu em Canaã, a mesma terra onde Abraão e Isaque viveram como estrangeiros peregrinos, mas que fora prometida por Deus à sua descendência. Este versículo sublinha alguns pontos importantes:
Continuidade da aliança: Jacó está agora ocupando o lugar de seu pai Isaque (e avô Abraão) como herdeiro da promessa. Ele habita na “terra das peregrinações de seu pai”, indicando que, embora Jacó ainda seja um estrangeiro sem posse territorial plena (pois os patriarcas viviam em Canaã mais como nômades ricos do que como governantes), aquela terra é o palco onde Deus cumprirá Suas promessas à família escolhida. Não por acaso, imediatamente em Gn 37:2 se introduzirá “Esta é a história de Jacó: José tinha dezessete anos...”, iniciando a narrativa que levará Israel ao Egito e de volta, rumo à posse da terra. Ou seja, Jacó em Canaã é o elo vivo conectando as promessas passadas ao futuro cumprimento.
Contraste com Esaú: Ao afirmar Jacó em Canaã, o narrador faz o contraponto com Esaú em Seir. Jacó não buscou estabelecer um reino terreno naquele momento – ele seguiu como peregrino na terra prometida, esperando pelo tempo de Deus. Esaú, por sua vez, imediatamente edificou sua casa em Seir e teve reis antes de Jacó. Entretanto, do ponto de vista de Gênesis, Jacó tinha a melhor parte, pois ele estava no centro da vontade de Deus, enquanto Esaú havia se afastado da terra da promessa. Um comentarista coloca bem: “Esaú prosperou e partiu; Jacó ficou humilde na terra, mas carregando o propósito divino.” Deus já havia dito: “Jacó tenho amado, mas Esaú tenho odiado” (Ml 1:2-3). Isso não se refere a ódio emocional, mas à escolha soberana de Deus em amar (escolher) a Jacó para Seus propósitos redentores, enquanto Esaú não foi escolhido para isso e, portanto, ficou “odiado” no sentido de rejeitado no plano da eleição. O profeta Malaquias usou Edom como exemplo do povo que, mesmo reconstruindo, seria derrubado, ao passo que Israel (Jacó) experimentaria o amor fiel de Deus (Ml 1:2-5). Séculos depois, o apóstolo Paulo cita esse oráculo em Romanos 9:10-13 para ilustrar que Deus eleg e chama segundo Seus propósitos, não segundo obras ou méritos humanos: antes mesmo de Jacó e Esaú nascerem, Deus já anunciara que o mais velho serviria ao mais novo, demonstrando que a predileção divina não dependeu de nenhum bem ou mal que eles tivessem feito, mas daquEle que chama. “Jacó, porém, amei; e a Esaú aborreci” (Rm 9:13) é citado para mostrar que a distinta posição dos dois irmãos foi decretada por Deus.
Na história de Jacó e Esaú, então, temos um caso paradigmático da doutrina da eleição. Jacó foi escolhido pela graça para ser tronco da nação santa, apesar de não ser melhor que Esaú em si mesmo (ambos tinham falhas). Esaú, por sua vez, apesar de não fazer parte da linhagem messiânica, não foi totalmente esquecido por Deus – teve bênçãos temporais, porém não a bênção espiritual maior. Isso nos leva a refletir no mistério e sabedoria da eleição divina: Deus amou Jacó – no sentido de amor eletivo, pacto – e não escolheu a Esaú para essa finalidade maior. Todavia, mesmo Esaú colheu consequências de suas próprias decisões profanas (vendeu seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas, desprezando as promessas, Gn 25:34; cf. Hb 12:16). Houve tanto a soberania de Deus quanto a responsabilidade humana em ação: Deus predissera e dirigiu, e Esaú voluntariamente desprezou a bênção espiritual, confirmando o seu destino. Não é sem razão que Hebreus 12:16-17 adverte os crentes a não serem profanos como Esaú, “que por um manjar vendeu o seu direito de primogenitura”, e depois querendo herdá-la foi rejeitado. Esaú buscou recuperar a bênção “com lágrimas”, mas era tarde (Hb 12:17), assim como muitos hoje podem chorar pelos resultados de escolhas carnais sem contudo acharem lugar de arrependimento genuíno.
Portanto, Gênesis 37:1, ao situar Jacó na Terra Prometida, convida-nos a considerar o favor imerecido de Deus sobre Jacó. Jacó não está ali por ser mais virtuoso – lembremos de seus enganos e lutas –, mas porque Deus prometeu a Abraão, Isaque e a ele mesmo (Gn 28:13-15) que aquela terra seria de sua descendência. É graça sobre graça. E Jacó, transformado em Israel, já aprendeu a confiar mais em Deus (depois de Peniel, Gn 32) e agora colhe a paz de habitar na terra da fé, enquanto seu irmão segue outro rumo.
Para o público original, esse verso também prepara o cenário para a saga de José: Jacó está em Canaã, e logo veremos José sendo vendido e indo para o Egito, o que resultará na mudança temporária da família para fora da terra. Mas por ora, fixemo-nos no contraste: Edom com seus reis em Seir; Israel (Jacó) quieto em Canaã sob a promessa. Isso ilustra o princípio de bênção espiritual versus prosperidade secular. Esaú aparentemente “venceu” – saiu, conquistou e reinos teve. Jacó apenas “habitou, peregrino” por anos. Mas é em Jacó que estava a bênção maior, a promessa do Messias que abençoaria todas as nações. Aqui se aplica bem o Salmo 37: “Não te indignes por causa dos malfeitores... pois em breve definharão... Confia no Senhor e faze o bem... pois os malfeitores serão exterminados, mas os que esperam no Senhor possuirão a terra” (Sl 37:1-9). Jacó esperou no Senhor e permaneceu na terra; Esaú correu atrás de seus interesses e encheu-se de bens, porém “aos ímpios faltará o sustento na terra prometida”.
Aplicações Pastorais: Bênção, Rejeição, Prosperidade Mundana e Promessa Messiânica
A passagem de Gênesis 36:1–37:1, embora primariamente genealógica, traz lições preciosas para nossa vida espiritual. Vejamos algumas reflexões pastorais derivadas do contraste entre Esaú/Edom e Jacó/Israel:
1. Não confundir prosperidade temporal com favor divino eterno. Esaú é um exemplo de alguém que recebeu abundantes bênçãos materiais – família numerosa, propriedades, um território fértil, poder político (chefes e reis) – e ainda assim estava fora da bênção da aliança com Deus. Ele realizou muitas coisas que aos olhos humanos significam sucesso, mas perdeu o principal: a comunhão com Deus e o privilégio de ser portador da promessa da salvação. Hoje também, pessoas podem prosperar financeiramente, gozar de status e “reinar” em seus círculos, e ainda assim estarem sem Cristo, portanto sem a verdadeira vida. A prosperidade do ímpio é breve e enganosa (Sl 73:17-20). Já Jacó, com todas as lutas, permaneceu na presença de Deus e foi grandemente usado nos planos divinos. Aplicação: Não invejemos nem imitemos os Esaús do mundo que podem ter “reinado antes” ou alcançado sucesso rápido. Antes, valorizemos a bênção espiritual em Cristo, mesmo que isso signifique, por um tempo, viver como “peregrinos” sem glória terrena. “Melhor é o pouco do justo, que a abundância de muitos ímpios” (Sl 37:16).
2. A necessidade de valorizar o direito de primogenitura espiritual. Esaú menosprezou seu direito de primogenitura (que incluía as promessas divinas) e depois perdeu também a bênção de Isaque. Ele é descrito em Hebreus como profano, alguém que não discerniu o valor do que era santo (Hb 12:16). Por isso, quando quis reaver a bênção, era tarde demais – “não achou lugar de arrependimento, embora com lágrimas o tivesse buscado” (Hb 12:17). Isso é um forte alerta: quem brinca com as coisas de Deus corre o risco de perdê-las. Aqueles que trocam as riquezas espirituais por prazeres momentâneos (o “prato de lentilhas” deste mundo) demonstram indignidade e podem se encontrar rejeitados no fim. Como Henry exorta, “que aqueles que não buscam até ser tarde demais, serão rejeitados. Esta foi a ruína de Esaú: ele não veio a tempo. [...] O tempo da paciência de Deus e da nossa oportunidade não durará para sempre”. Aplicação: Devemos avaliar nossas prioridades – temos dado valor ao nosso “direito de primogenitura” em Cristo? (Nossa salvação, nosso chamado como filhos de Deus, a herança do Reino). Ou temos vendido isso por pratos de lentilhas modernos (dinheiro injusto, prazeres pecaminosos, compromissos que sufocam a fé)? Que possamos buscar ao Senhor enquanto é tempo e segurar firme nossa fé, para não lamentarmos depois, como Esaú, a oportunidade desperdiçada.
3. A soberania de Deus na eleição humilha o orgulho humano e exalta a graça. Deus escolheu Jacó, o segundo, em vez de Esaú, o primogênito, contrariando padrões humanos. Isto nos lembra que “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar as sábias... as fracas para envergonhar as fortes” (1Co 1:27). A teologia da eleição, longe de ser um enigma frio, deve aquecer nosso coração em gratidão: se estamos em Cristo hoje, é porque Deus nos amou primeiro e nos chamou pela Sua graça, não por mérito nosso (Ef 1:4-6). Jacó não merecia mais que Esaú – inclusive, moralmente Jacó falhou bastante – mas Deus lhe mostrou misericórdia transformadora. Isso elimina qualquer vanglória: Israel não podia se gloriar diante de Edom senão na misericórdia divina. Aplicação: Cultivemos um espírito humilde e agradecido. Como crentes, reconheçamos que éramos indignos e Deus nos escolheu por graça soberana. Isso também nos consola quanto aos propósitos de Deus: mesmo quando parece que os inimigos triunfam (como Edom triunfando sobre Israel em alguns momentos), Deus não abandona Seus eleitos. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8:31). Ele afirmou: “Amei a Jacó”, e essa palavra permanece sobre todos os “Jacós” (seu povo) até hoje – amor leal e imutável.
4. Juízo certo sobre a impiedade e vindicação do povo de Deus. A história posterior demonstra que Edom colheu os frutos de sua posição. Por diversas vezes mostrou inimizade contra Israel – negando passagem aos israelitas no Êxodo (Nm 20:18), aliando-se a invasores ou atacando Judá (Sl 137:7; Ob 1:10-14). Os profetas pronunciaram severos juízos contra Edom por sua violência e orgulho (ver todo o livro de Obadias; Is 34:5-17; Jr 49:7-22; Ez 35). Malaquias, já no pós-exílio, usa Edom como exemplo do destino daqueles fora do propósito da aliança: “Eu amei a Jacó e odiei a Esaú; fiz dos seus montes uma assolação e dei a sua herança aos chacais do deserto. Ainda que Edom diga: ‘Fomos destruídos, porém voltaremos e edificaremos as ruínas’, assim diz o Senhor dos Exércitos: Eles edificarão, mas Eu derrubarei...” (Ml 1:3-4). E Deus completa: “Os olhos de vocês verão, e vocês dirão: ‘Grande é o Senhor além dos limites de Israel!’” (Ml 1:5). Ou seja, a queda de Edom serviria de exemplo da grandeza e justiça de Deus. De fato, Edom como nação deixou de existir após as invasões babilônicas e, posteriormente, a conquista pelos árabes nabateus; no período romano, seus remanescentes (idumeus) foram assimilados ou destruídos e seu território passou a ser deserto. Enquanto isso, Israel – embora passando por disciplina – foi restaurado para cumprir seu chamado (trazer o Messias e ser refeito como povo de Deus). Aplicação: Não nos inquietemos quando vemos pessoas ou sistemas ímpios aparentemente firmes. A história de Edom é um lembrete de que “por um pouco de tempo” o ímpio pode florescer, mas logo desaparece, ao passo que os justos têm uma herança eterna (Sl 37:10-11). Deus vindicará Seu povo e julgará aqueles que persistentemente se levantam contra Ele.
5. Cristo, o verdadeiro Rei, e a reconciliação final. Por fim, a tensão entre Jacó e Esaú aponta para a redenção em Cristo. Jesus, descendente de Jacó, veio “para reunir em um só corpo os filhos de Deus dispersos” (Jo 11:52). Ele derrubou na cruz as inimizades e abriu caminho para reconciliação. Curiosamente, apesar de Edom ter sido julgada como nação, a graça de Deus abrange pessoas de todas as origens, inclusive edomitas/idosmeus que se converteram no período do NT (há indicações de que a igreja primitiva contou com crentes vindos de todos os povos vizinhos). A profecia de Amós 9:11-12 (citada em Atos 15:16-17) anuncia que o remanescente de Edom seria possuído pelo povo de Deus – interpretado espiritualmente, significa que até os outrora inimigos (Edom simbolizando gentios hostis) seriam incluídos na salvação. Isso nos lembra que no Messias a barreira se rompe: não importa se alguém é “Jacó” ou “Esaú” segundo a carne, se abandonar o profano e crer em Cristo, será feito um só povo de Deus. Assim, a promessa messiânica dada a Jacó alcança até mesmo os descendentes de Esaú que se voltarem para o Senhor. No final, o que importa não é ter sangue de Jacó ou de Esaú, mas estar coberto pelo sangue do Cordeiro de Deus, Jesus Cristo.
Em suma, ao contemplarmos Gênesis 36:1–37:1, somos levados a admirar o entretecido do plano divino na história das famílias. Esaú/Edom nos adverte sobre a futilidade da glória mundana apartada de Deus e o perigo de desprezar o sagrado; Jacó/Israel nos encoraja a valorizar a promessa, mesmo em peregrinação humilde, confiando na eleição graciosa de Deus. Como povo de Deus hoje, devemos buscar a herança eterna em Cristo acima de qualquer ganho efêmero. Que não sejamos como Esaú, vendendo nossa primogenitura espiritual por prazeres momentâneos, mas sejamos como Jacó (o Israel transformado por Deus), que apesar de suas lutas finalmente se agarrou à bênção de Deus e dela nasceu uma nação e, no tempo devido, o Salvador do mundo.
Em última análise, a genealogia de Esaú nos aponta para a fidelidade de Deus em cumprir tanto promessas temporais (nações, reis) quanto promessas eternas (o Messias vindo através de Jacó). Podemos confiar que Deus mantém Sua palavra – Ele deu a Esaú o que lhe competia, e a Jacó, o que lhe havia prometido. E como está escrito: “Deus não é homem, para que minta... Porventura, tendo Ele prometido, não o fará?” (Nm 23:19). A história contrastante desses irmãos nos ensina a temer e adorar a Deus pela Sua justiça e graça. Que possamos, portanto, valorizar nossa “genealogia” espiritual em Cristo, sabendo que nossos nomes estão escritos, não apenas em crônicas humanas, mas no Livro da Vida do Cordeiro, o que é infinitamente superior a todas as listas de reis e príncipes deste mundo.




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