Fim do ciclo de Jacó | Gênesis 35:1–29
- João Pavão
- 11 de set.
- 54 min de leitura

Estrutura Literária e Análise Narrativa
O capítulo 35 de Gênesis funciona como a conclusão do ciclo de Jacó e uma transição para a geração seguinte. Ele pode ser dividido em duas grandes seções narrativas: (1) Retorno a Betel e renovação da aliança (35:1–15) e (2) Eventos finais no caminho a Hebrom (35:16–29), incluindo nascimentos, mortes e a listagem dos doze filhos de Jacó. A primeira seção em Betel contém dois episódios relacionados (ordem divina e resposta de Jacó), separados pelo breve versículo sobre a morte de Débora (v.8). Observa-se um padrão literário A–B–A′–B′: Deus ordena Jacó subir a Betel (A, v.1) e Jacó obedece purificando sua casa e erigindo um altar (B, vv.2–7); depois Deus aparece a Jacó com bênçãos pactuais (A′, vv.9–13) e Jacó responde dedicando a coluna e renomeando o local (B′, vv.14–15). Essa estrutura destaca a iniciativa divina na renovação da aliança e a resposta de obediência de Jacó.
Narrativamente, Gênesis 35 contrasta fortemente com o capítulo anterior. Em Gênesis 34 (a tragédia de Diná e o massacre em Siquém), Jacó estava fora do centro da vontade divina e sua família causou desordem e violência; já em Gênesis 35, Jacó retorna à adoração ordenada em Betel e sua casa é abençoada. Os dois capítulos formam pares de cenas paralelas: Jacó edificou um altar em Siquém por conta própria (Gn 33:20) e enfrentou calamidades ali, enquanto em Betel ele edifica um altar por mandado de Deus e recebe renovação espiritual. Em Siquém sua família trouxe morte; em Betel Jacó recebe bênção e proteção, inclusive um “pânico divino” que impede que os povos cananeus os ataquem durante a jornada. Esses paralelos sublinham a restauração de Jacó: a necessidade de pureza moral (abuso de Diná) deu lugar à pureza religiosa (abandono dos ídolos) como condição para ser veículo de bênção de Deus.
O clímax literário do ciclo de Jacó acontece em Betel (35:9–15), quando Deus reafirma plenamente as promessas abraâmicas a Jacó e confirma seu novo nome, Israel. Isso ecoa e cumpre a bênção outrora dada por Isaque em Gênesis 28:3–4 e especialmente a primeira teofania de Betel (Gn 28:13–19) muitos anos antes. Assim, Gênesis 35 encerra a história de Jacó in loco (em Canaã) com reconciliação e promessa, preparando o cenário para a história de seus filhos (José e irmãos) a seguir. Antes de encerrar, o narrador registra eventos importantes: a morte de membros da família (Débora, Raquel, Isaque) e o pecado de Rúben, bem como o número completo dos doze filhos de Jacó (futuros antepassados das tribos de Israel), marcando a transição para a próxima geração do plano divino.
Análise Exegética
Versículos 1–7: Deus intervém na crise de Jacó e lhe diz para subir a Betel e habitar ali, fazendo um altar ao Deus que lhe aparecera quando fugia de Esaú (v.1). A iniciativa é divina – o Senhor, o parceiro pactual fiel, chama Jacó de volta ao lugar do voto, a fim de renovar a aliança com seu parceiro humano fragilizado. Jacó responde com prontidão e reverência: ordena à sua família que entregue todos os deuses estranhos e se purifique, trocando as vestes (vv.2–4). Esses atos indicam arrependimento e consagração ritual antes de encontrar-se com Deus. Os ídolos domésticos (terafim) e até os pendentes das orelhas – possivelmente ligados à superstição – são ajuntados e sepultados sob o carvalho próximo a Siquém (v.4), eliminando visivelmente a idolatria do acampamento. (Esse carvalho pode ser o mesmo lugar sagrado onde Abraão erigiu altar em Gn 12:6–7, dando um caráter de lugar de decisão.) Jacó, que antes tolerara em casa os ídolos (como os roubados por Raquel), agora toma liderança espiritual. Alguns comentaristas sugerem até que Raquel tivera um possível motivo religioso ao furtar os terafins de Labão – talvez pensando em assegurar bênçãos ou proteger a família –, mas isso era ilusório. De toda forma, Jacó reconhece que não pode adorar a Deus em Betel sem antes romper com o pecado da idolatria em sua casa. Após a purificação, Jacó e sua comitiva partem, e o “terror de Deus” cai sobre as cidades ao redor, de modo que ninguém persegue os filhos de Jacó (v.5). Ou seja, Deus instila um medo sobrenatural nos povos vizinhos, evitando vingança pelo incidente de Siquém. Essa expressão antecipa como, séculos depois, o Senhor protegeria Israel durante a conquista de Canaã (cf. Êx 23:27; Js 2:9) colocando pânico nos inimigos. Jacó chega em segurança a Luz (nome antigo de Betel) em Canaã com todo o povo (v.6). Ali ele edifica um altar e renomeia o lugar de El-Betel – que significa “Deus de Betel” – pois foi onde Deus se revelara a ele quando fugia de seu irmão (v.7). O novo nome enfatiza que mais importante que o local (“casa de Deus”) é o Deus que ali se manifestou. Como observou Warren Wiersbe, o foco deveria estar “não no lugar, mas no Deus do lugar e no que Ele havia feito em favor de Jacó”. Assim, Jacó cumpre enfim o voto feito 30 anos antes (cf. Gn 28:20–22), consagrando Betel como santuário do Deus vivo.
Versículo 8: Subitamente é registrada a morte de Débora, ama de Rebeca, que foi sepultada ali perto, sob um carvalho chamado Alom-Bacute (“Carvalho do Pranto”), aludindo ao luto intenso da família por ela. A menção de Débora – personagem antes citada apenas em Gn 24:59 como a criada que acompanhou Rebeca – é surpreendente e carregada de implicações narrativas. Provavelmente, Débora veio juntar-se a Jacó após a morte de Rebeca (sua senhora), passando a viver no acampamento dele. O fato do narrador destacar o óbito da ama de Rebeca, e nunca relatar diretamente a morte da própria Rebeca, é significativo. Parece haver aqui uma lacuna proposital: o público esperava o anúncio da morte de Rebeca (lembrando que ela prometera mandar buscar Jacó quando fosse seguro – Gn 27:45), mas em vez disso recebe a notícia da morte de sua serviçal de confiança. Uma explicação sugerida é que o narrador, ao omitir o memorial de Rebeca, estaria evitando honrá-la devido ao engano que ela praticara contra Isaque (Gn 27). De fato, Rebeca “morre sem memorial” nas páginas bíblicas. Em contraste, Débora – uma serva fiel – recebe a honra de um obituário, indicando o respeito da família por ela. Esse detalhe também adiciona um tom de perda materna para Jacó (Débora pode ter sido figura maternal e ligação com sua falecida mãe). O nome dado ao local do sepultamento, Carvalho do Pranto, mostra a profundidade do lamento. Assim, logo após a celebração em Betel, a narrativa lembra que a caminhada de fé inclui tristezas terrenas.
Versículos 9–15: Após aquele luto, Deus aparece novamente a Jacó em Betel, desta vez em uma teofania mais direta (vv.9–13). O texto destaca que Deus lhe apareceu “outra vez” desde quando viera de Padã-Arã, sublinhando o cumprimento da promessa divina feita lá atrás (cf. Gn 31:3,13). Deus inicia reafirmando a mudança de nome: “Teu nome é Jacó, mas já não serás chamado Jacó; teu nome será Israel” (v.10). Isto confirma e soleniza a nova identidade que o anjo do Senhor lhe dera após a luta em Peniel (Gn 32:28). A repetição da renomeação “Israel” – que significa “aquele que luta com Deus” ou “Deus luta” – pode intrigar alguns leitores, mas entende-se como uma confirmação formal da parte de Deus, agora em contexto de aliança renovada. Em vez de ver aqui uma redundância sem sentido, podemos enxergar graça: após os altos e baixos da jornada de Jacó, Deus novamente o chama pelo novo nome, reafirmando sua posição de príncipe de Deus apesar de seus tropeços. Em seguida, Deus Se identifica com um título significativo: “Eu sou El-Shaddai”, isto é, Deus Todo-Poderoso (v.11). El-Shaddai era o nome divino usado especialmente nas promessas patriarcais – foi assim que Deus Se revelou a Abraão ao instituir a aliança da circuncisão (Gn 17:1) e a Isaque ao abençoar Jacó (Gn 28:3), e agora novamente a Jacó em Betel. Esse nome evoca o poder ilimitado de Deus em cumprir Suas promessas mesmo quando humanamente impossível. De fato, Derek Kidner observa que em Gênesis El-Shaddai tende a aparecer em contextos de necessidade de restauração da esperança (como no caso de Abraão, Jacó e José).
Após declarar Seu nome, Deus renova integralmente as promessas do pacto abraâmico a Jacó: “Sê fecundo e multiplica-te. Uma nação e uma assembleia de nações procederão de ti, e reis sairão dos teus lombos” (v.11b). Este idioma ecoa diretamente a bênção dada a Abraão em Gn 17:5–6 (ser pai de nações e realeza dentre os descendentes). É uma projeção do futuro de Israel como povo e da linhagem real que viria (cumprida inicialmente em Davi e finalmente em Cristo). Deus acrescenta: “Darei a ti a terra que dei a Abraão e Isaque, e à tua descendência depois de ti darei esta terra” (v.12). Assim, a aliança de Abraão e Isaque é explicitamente confirmada agora a Jacó, garantindo-lhe a Terra Prometida para sua semente. Em suma, Deus incorpora Jacó plenamente como herdeiro das promessas do pacto. Essa teofania em Betel em 35:9–13 tanto se compara quanto contrasta com a primeira experiência de Jacó em Betel (Gn 28:12–19): lá Jacó era um fugitivo solitário recebendo promessas em sonho; aqui ele retorna como patriarca com família, recebendo promessas diretamente do Senhor em cumprimento daquelas anteriores. O fio que conecta as duas visitas a Betel é mencionado (“quando fugias de teu irmão”, cf. v.1, v.7), mostrando a fidelidade de Deus desde então. Tendo falado, Deus “se elevou” daquele lugar (v.13), sinal de que a aparição cessou.
A resposta de Jacó é de reverência e memorial (vv.14–15). Ele ergue uma coluna de pedra no local onde Deus lhe falara – provavelmente próxima ou sobre a pedra que servira de travesseiro ungido décadas antes (Gn 28:18). Em seguida, realiza um ato culto: derrama sobre a coluna uma libação (oferta líquida) e óleo. Esta é a primeira menção explícita na Bíblia de uma oferta líquida sendo derramada a Deus. O azeite já fora usado por Jacó em Gn 28:18 para ungir a pedra em Betel, simbolizando consagração. Agora ele acrescenta o derramamento de bebida (provavelmente vinho) como gesto de adoração e dedicação, prática que mais tarde seria incorporada nos rituais israelitas (Êx 29:40, Nm 15:5). Ao derramar a bebida e o óleo, Jacó expressa entrega e gratidão pela graça recebida. Por fim, Jacó confirma o nome do lugar: Betel, “Casa de Deus” (v.15), remetendo à sua exclamação em Gn 28:17–19. Betel torna-se assim, de maneira permanente, um marco espiritual na jornada de Jacó – lugar onde ele experimentou a presença de Deus tanto no exílio (sonho da escada) quanto no retorno (renovação da aliança). Anos depois, o próprio Jacó recordaria este evento ao abençoar José: “O Deus Todo-Poderoso me apareceu em Luz, na terra de Canaã, e me abençoou” (Gn 48:3–4), sublinhando sua importância. Em suma, nos versículos 9–15 vemos Deus confirmando a Jacó a nova identidade (Israel) e as antigas promessas, e Jacó confirmando a Deus sua adoração exclusiva.
Versículos 16–20: Após a solenidade em Betel, a família de Jacó parte novamente rumo ao sul. Perto de Efrata (isto é, Belém), ocorre uma das cenas mais marcantes: Raquel entra em trabalho de parto difícil (v.16). A jornada precisava continuar (“saíram de Betel”), mas a gravidez avançada de Raquel culmina em dores intensas no caminho. A parteira, tentando encorajá-la, anuncia que é “mais este filho” – ou seja, Raquel estava dando à luz seu segundo filho homem (v.17). Contudo, o parto foi complicado e Raquel sofre muito; “ao sair-lhe a alma, porque morreu”, indica o texto, mostrando que ela não resistiu (v.18a). Antes de falecer, Raquel consegue dar um nome ao bebê: Benoni, que significa “filho da minha dor” ou “filho da minha aflição”. Esse nome trágico eternizaria a lembrança de que o nascimento custara a vida da mãe. Raquel havia dito anos antes: “Dá-me filhos, senão morrerei” (Gn 30:1); ironicamente, ela morreu justamente ao dar à luz seu segundo filho. Alguns estudiosos veem nisso um alerta sobre palavras imprudentes ou desejos impetuosos não medidos (Raquel talvez não soubesse o peso de pedir filhos a qualquer custo). Outros chegam a relacionar a morte de Raquel à maldição involuntária de Jacó em Gn 31:32 (“quem estiver com os deuses de Labão não viva”), já que Raquel escondera os ídolos – porém, o texto não faz essa conexão explícita. Em todo caso, a narrativa mostra que o grande amor de Jacó (Gn 29:18) enfrentou um destino triste. Raquel se torna a única matriarca que não foi sepultada no túmulo familiar de Macpela. Jacó, ao ouvir o nome Benoni, decide alterar a sorte do menino por meio de um novo nome: ele o chama de Benjamim (v.18b). Benjamim em hebraico literalmente quer dizer “filho da mão direita”, expressão idiomática de posição honrosa ou força (a mão direita era símbolo de favor e poder). Assim, Jacó recusa que seu caçula carregue para sempre o estigma de ser “filho da tristeza” de sua mãe e o rebatiza com um nome auspicioso – “filho da destra”, aquele que ocuparia um lugar especial de honra. Como comenta William MacDonald, esses dois nomes dados ao mesmo menino podem ser vistos como tipo dos sofrimentos e glórias de Cristo – o Messias, filho da dor (homem de dores) e filho da destra de Deus, ressuscitado em glória – numa dinâmica de sofrimento seguido de exaltação. Derek Kidner também enxerga no gesto de Jacó um belo ato de fé: ele transformou “filho da minha tristeza” em “filho da minha destra”, extraindo um aspecto positivo de uma experiência tão sombria. Em meio à dor, Jacó proclama esperança para o futuro de seu filho.
O versículo 19 relata de forma enxuta o falecimento e enterro de Raquel: “Assim morreu Raquel e foi sepultada no caminho de Efrata (que é Belém)”. Jacó interrompe a viagem para dar à amada esposa um sepultamento digno no lugar em que faleceu. Ele marca o local erigindo uma coluna sobre a sepultura de Raquel (v.20), memorial duradouro daquele acontecimento. Essa coluna funerária (matzevá) provavelmente era uma estela ou pilar de pedra vertical. O autor informa que “esta é a coluna da sepultura de Raquel até hoje”, sinal de que nos tempos posteriores o túmulo de Raquel era bem conhecido em Israel. De fato, a tradição localizou a sepultura de Raquel perto de Belém, e ela é citada posteriormente pelos profetas: séculos depois, Jeremias evoca Raquel chorando por seus filhos (Jeremias 31:15) no exílio, imagem poética em que Raquel se torna símbolo das mães de Israel lamentando a perda de seus descendentes. Até o Novo Testamento aplica essa figura à matança dos inocentes em Belém (Mt 2:16–18). A memória de Raquel, portanto, permaneceu viva no imaginário do povo. Seu túmulo no caminho de Efrata simboliza tanto a dor de uma perda precoce quanto a esperança ligada a Benjamim e seus descendentes. Vale notar que, embora Jacó mais tarde viesse a sepultar Leia na caverna familiar de Macpela, ele escolheu não trasladar o corpo de Raquel, talvez por não poder na ocasião ou por resignar-se à providência de Deus (ele chega a mencionar esse fato com tristeza em Gn 48:7). Raquel foi enterrada onde morreu, e Jacó honrou aquele lugar com um monumento. Assim se cumpre a entrada do 12º filho e se fecha o capítulo dos nascimentos dos patriarcas – porém em meio a lágrimas.
Versículo 21: Após esse duro golpe, a narrativa diz: “Então partiu Israel, e armou sua tenda além da torre de Éder”. Aqui o texto chama Jacó de Israel, sublinhando talvez seu papel agora fortalecido como patriarca depois da renovação em Betel. A torre de Éder (Migdal-Éder, lit. “torre do rebanho”) provavelmente era uma torre de vigia de pastores nos arredores de Belém. Pode indicar que Jacó se deslocou apenas alguns quilômetros adiante para pastar os rebanhos. Este verso demonstra que Jacó não ficou paralisado pelo luto: ele partiu e seguiu viagem, prosseguindo em direção ao destino final (Hebrom). Há “um tempo determinado para o luto”, mas depois é preciso retomar a jornada – e Jacó o faz, assumindo sua responsabilidade de viver e cuidar da família remanescente. Esse recomeço necessário após enterrar Raquel mostra a resiliência de Jacó em meio à dor. (Uma curiosidade intertextual: Migdal-Éder é mencionado pelo profeta Miquéias num oráculo messiânico – Mq 4:8 –, levando alguns a conectarem simbolicamente este local à promessa do reino davídico. Na tradição judaica, chegou-se a sugerir que o Messias poderia ser revelado ali. De todo modo, em Gênesis é apenas um topônimo indicando a rota de Jacó na região pastoril de Belém.)
Versículo 22: Ainda no contexto de “habitando Israel naquela terra” (ou seja, enquanto acampavam perto de Migdal-Éder), ocorre um fato gravíssimo dentro da família: “Rúben foi e deitou-se com Bila, concubina de seu pai; e Israel soube”. Em apenas meia frase, a Escritura revela o incesto/adultério cometido pelo filho mais velho de Jacó com Bila, que era serva de Raquel e mãe de dois meios-irmãos de Rúben (Dã e Naftali). Esse ato chocante de Rúben – ter relações com a concubina de seu pai – violava profundamente os costumes familiares e seria explicitamente condenado na Lei mosaica (Lv 18:8; 20:11). Por que Rúben faria algo tão desprezível? A tradição judaico-cristã e estudiosos veem nisso mais que luxúria: era um golpe político na estrutura familiar. Ao possuir a concubina principal de seu pai, Rúben possivelmente queria usurpar a posição de liderança do clã, numa espécie de afirmação de primazia. Casos semelhantes ocorrem mais tarde na Bíblia: Absalão, filho de Davi, toma as concubinas do pai em público para declarar-se sucessor (2Sm 16:21–22), e Adonias pede a moça que aqueceu Davi como esposa para reivindicar o trono (1Rs 2:21–24). Essas ações tinham sentido simbólico de apropriação da autoridade do patriarca ou rei. No caso de Rúben, ele sendo o primogênito de Jacó com Leia, pode ter se sentido preterido pelo crescimento do prestígio dos filhos de Raquel (José, e agora Benjamim recém-nascido). Com a morte de Raquel, Bila – sua serva – ocupava status importante, cuidando talvez do bebê Benjamim. Rúben, movido por ambição de assegurar a primogenitura, dormiu com Bila possivelmente para impedir que Jacó a tomasse de novo ou para marcar território sobre a parte da família de Raquel. Como coloca Bruce Waltke, “o vergonhoso ato de Rúben é motivado mais por política do que por paixão”. George Livingston comenta que o incesto de Rúben não foi apenas um pecado sexual flagrante, mas um desafio desdenhoso à autoridade de seu pai – uma tentativa de minar Jacó como chefe tribal.
Jacó (“Israel”) tomou conhecimento do ocorrido, mas o texto não relata nenhuma reação imediata além do choque implícito (“Israel o soube”). A ausência de resposta de Jacó no momento pode indicar seu silêncio contido ou incapacidade de agir naquela conjuntura cheia de perdas. No entanto, o pecado de Rúben não ficou esquecido: muitos anos depois, no leito de morte, Jacó finalmente confronta Rúben e tira-lhe os direitos de primogênito. Em Gênesis 49:3–4, Jacó lembra: “Rúben, tu és meu primogênito... Impetuoso como a água, não serás o mais excelente, porque subiste à cama de teu pai e a profanaste”. Ele passa a bênção maior a José (filho mais velho de Raquel) e atribui a liderança futura a Judá (seu quarto filho). Também 1Crônicas 5:1–2 registra que, por ter desonrado o leito paterno, Rúben perdeu a primogenitura para os filhos de José. Ou seja, a consequência veio na hora certa, ainda que tardia. Assim, esse versículo isolado (35:22) lança uma sombra sobre Rúben e prepara o terreno para conflitos e rearranjos futuros entre os irmãos. A família de Jacó, mesmo após renovar-se espiritualmente, ainda enfrenta graves disfunções – mostrando que santificação é processo contínuo.
Versículos 23–26: Logo após noticiar o pecado de Rúben, o texto fornece uma lista completa dos doze filhos de Jacó, divididos conforme suas mães. É como um sumário genealógico que oficializa a composição das tribos de Israel a partir de então. Os filhos de Lia são enumerados primeiro: Rúben (primogênito), Simeão, Levi, Judá, Issacar e Zebulom (v.23). Depois os filhos de Raquel: José e Benjamim (v.24). Em seguida os filhos de Bila (serva de Raquel): Dã e Naftali (v.25). Por fim os filhos de Zilpa (serva de Lia): Gade e Aser (v.26). Essa relação deixa claro que, apesar de Benjamim ter nascido em Canaã já (perto de Belém), o autor inclui todos sob o rótulo geral: “São estes os filhos de Jacó que lhe nasceram em Padã-Arã” (v.26). Essa frase é generalizadora, visto que literalmente Benjamim não nasceu na Mesopotâmia; porém, seu nascimento completa a dúzia iniciada lá. A intenção é fechar o ciclo da fertilidade de Jacó ligado ao período de Padã-Arã. Com Benjamim, o número doze está completo – algo de grande significado simbólico na Bíblia. Doze será o número da plenitude do povo de Deus (as doze tribos de Israel no AT, correspondentes aos doze apóstolos no NT). Assim, Gênesis 35 sublinha que todos os ancestrais tribais de Israel agora existem. Curiosamente, Diná, a filha de Jacó com Lia, não é mencionada nessa lista (embora já introduzida em Gn 34). Isso porque genealogias antigas geralmente não incluíam filhas, mas também indica que as doze tribos se derivam dos doze filhos homens, conforme a promessa divina de nações e reis saindo dos lombos de Jacó. Cada nome nessa lista carrega memórias das narrativas anteriores (especialmente o conflito entre Lia e Raquel em Gn 29–30) – e daqui em diante esses nomes designarão não apenas indivíduos, mas clãs e tribos do Israel histórico.
Versículos 27–29: Finalmente Jacó chega ao destino de sua jornada: Hebrom, identificada como Manre ou Quiriate-Arba, onde vivera Abraão e onde ainda reside seu pai, Isaque (v.27). Este retorno é carregado de significado emocional, pois Jacó revê Isaque décadas após tê-lo enganado e fugido. A Bíblia não narra o encontro em detalhes, mas subentende uma reconciliação e paz nos anos finais: “as velhas feridas tinham sido curadas, e a volta ao lar foi em paz”. De fato, Jacó chegar antes da morte do pai é uma graça – ele pôde honrá-lo e cuidar dele em velhice. Bruce Waltke observa que a peregrinação de Jacó completa seu ciclo ao encontrar Isaque reconciliado, preparando o cenário para a morte do patriarca. O versículo 28 registra que Isaque viveu 180 anos, sendo notavelmente longevo – mais que Abraão (175) e Jacó (147) –, embora na narrativa sua presença seja discreta após a bênção enganada. Com essa idade avançada, Isaque finalmente expira no versículo 29, “e morreu, e foi reunido a seus povos, velho e farto de dias”. Trata-se da fórmula típica para a morte dos patriarcas, indicando uma vida longa e completa pela graça de Deus. Esaú e Jacó, juntos, sepultaram Isaque. Esaú viaja de Seir para Hebrom para os funerais do pai, unindo-se ao irmão na última homenagem. Essa colaboração final reforça que a reconciliação entre os gêmeos, esboçada em Gn 33, de fato perdurou. Os dois “irmãos” se unem para sepultar seu pai na caverna de Macpela, o túmulo da família comprado por Abraão (cf. Gn 49:29–31). Assim, Isaque é enterrado ao lado de Abraão e Sara (e provavelmente de Rebeca, cujo falecimento não fora mencionado, mas sabemos ter sido sepultada lá depois). A sepultura patriarcal em Macpela carrega enorme importância teológica: é o único pedaço de terra que Abraão possuía em Canaã, símbolo da esperança na promessa da terra. Com Isaque, mais uma geração repousa naquele túmulo, atestando a fé de que Deus daria a terra aos descendentes no futuro. Wiersbe comenta que a morte de Isaque marcou uma mudança na posição de Jacó – agora ele se torna o patriarca principal, herdeiro não só dos bens de Isaque, mas sobretudo das promessas da aliança. A partir de então, Deus será identificado como “o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó”, indicando a sucessão cumprida. De fato, em Êxodo 3:6 o Senhor se apresenta a Moisés com esse título triplo, mostrando que o pacto prosseguiu através de Jacó até a formação de Israel.
A última cena de Gênesis 35 (Jacó e Esaú juntos em um funeral) ecoa a de Gênesis 25:9 (Isaque e Ismael juntos sepultando Abraão). Depois disso, cada irmão seguirá seu caminho e sua genealogia separada. Esaú volta para Seir, enquanto Jacó permanece em Canaã, e o próximo capítulo (36) tratará da linhagem de Esaú antes de concentrar a narrativa exclusivamente nos filhos de Jacó (José e seus irmãos). Como observa Hansjörg Bräumer, “a partir daqui, a história dos patriarcas fala apenas de Jacó, embora os edomitas ainda sejam chamados de irmãos (Nm 20:14)”. Assim, Gênesis 35 encerra várias histórias: cumpre o retorno de Jacó prometido em Gn 28, fecha a última página da vida de Isaque e cimenta as bases para “as doze tribos de Israel”. É um capítulo de renovação espiritual misturada com perdas pessoais, mostrando a fidelidade de Deus em meio às fragilidades humanas.
Contexto Histórico-Cultural
Purificação e culto: As ações de Jacó ao preparar sua família para ir a Betel refletem práticas religiosas típicas do Antigo Oriente Próximo, especialmente em contextos de teofania ou adoração renovada. Mandar a família abandonar ídolos, purificar-se e mudar as roupas (35:2) encontra paralelo, por exemplo, na preparação dos israelitas para encontrar Deus no Sinai (lavar vestes – Êx 19:10,14) e noutros rituais de consagração. Tais atos simbolizavam remover impurezas morais e rituais antes de aproximar-se do Deus santo. Trocar as vestes significava deixar para trás a antiga vida contaminada (cf. Is 64:6, Zc 3:4) e vestir-se de novidade – um sinal externo de arrependimento e santidade. Jacó reconheceu que Betel era um lugar sagrado devido à presença divina, então exige essa preparação cerimonial de todo o grupo. Além disso, enterrar os ídolos sob o carvalho (35:4) foi uma forma radical de descartá-los definitivamente – ao invés de apenas escondê-los ou jogá-los fora, foram literalmente sepultados, indicando que estavam “mortos” e não fariam mais parte da família de Jacó. Esse gesto pode lembrar futuras ações como a aliança de Josué em Siquém, quando o povo se desfez de ídolos estrangeiros (Js 24:23–26) e reafirmou a lealdade exclusiva a Javé. No contexto cultural, muitas famílias possuíam terafim (estatuetas domésticas dos deuses), acreditando que traziam proteção ou prosperidade. A própria Raquel havia levado consigo os terafins de seu pai (Gn 31:19). Ao eliminá-los, Jacó rompe com a religiosidade mesopotâmica que ainda subsistia em seu clã e estabelece claramente o monoteísmo prático. Como Wiersbe comentou a respeito de Labão outrora, se os seus deuses podiam ser roubados, quão confiáveis seriam? Jacó agora declara que somente El-Betel, o Deus verdadeiro, será adorado por sua casa.
Práticas de altar e pilares: Durante o período patriarcal, era comum erigir altares ou colunas de pedra para marcar encontros significativos com a divindade. Abraão construíra altares ao Senhor em vários locais de Canaã (Gn 12:7–8; 13:18; 22:9). Jacó seguiu esse costume: levantou uma pedra como coluna e ungiu-a em Betel na sua primeira experiência (Gn 28:18) e também construiu um altar em Siquém ao retornar (Gn 33:20). Em Gênesis 35, vemos os dois elementos: Jacó edifica um altar (35:7) para sacrifício e culto a Deus em Betel, e mais tarde erige uma coluna memorial (35:14) após a aparição divina. AltAR (heb. mizbeah) era uma plataforma, normalmente de pedra ou terra, para oferecer sacrifícios. Já a coluna/pilar (heb. matzevá) era uma pedra ereta, sem sacrifício sobre ela, servindo como monumento sagrado ou lembrete visível de um encontro divino. Jacó fez uso de ambos adequadamente: o altar para adorar e invocar o nome de Deus, e a coluna para marcar “a casa de Deus” com um testemunho duradouro. No mundo antigo, erguer estelas ou pilares de pedra era também uma prática cananeia (às vezes associada a culto idólatra – cf. Dt 12:3), mas no caso patriarcal tinha foco memorial ao Deus único. Vale ressaltar que em Betel Deus ordenou explicitamente o altar (35:1) – diferentemente dos altares anteriores que os patriarcas levantavam espontaneamente em gratidão. Isso mostra a importância de Betel como local escolhido por Deus para confirmar Sua aliança.
Jacó também derramou uma libação de bebida e óleo sobre a coluna (35:14). A libação (hebr. nesek) era comum em cultos do Oriente Próximo – vinho ou outra bebida era vertida em honra à divindade, muitas vezes acompanhando sacrifícios queimados. Entre os israelitas, libações foram oficializadas na Lei de Moisés (Êx 29:40, Nm 15:5). Aqui, antes da lei, Jacó espontaneamente oferece uma, indicando que essas formas de devoção já existiam. O óleo derramado representa consagração – é o mesmo símbolo de unção de coisas e pessoas para torná-las santas ao Senhor (como mais tarde para sacerdotes e reis). Portanto, Jacó estava sacralizando Betel como lugar de Deus e entregando aquela experiência totalmente a Ele.
Renomeações simbólicas: A troca ou atribuição de nomes com significado era prática cultural com peso profético ou comemorativo. Vemos vários exemplos em Gênesis: Deus mudou o nome de Abrão para Abraão (“pai de uma multidão”) e de Sarai para Sara (“princesa”) ao firmar Sua promessa (Gn 17:5,15). Da mesma forma, o nome de Jacó (“suplantador”) foi mudado por Deus para Israel, geralmente entendido como “aquele que luta com Deus” ou possivelmente “Deus luta” (Gn 32:28, reafirmado em 35:10). Esse novo nome indicava seu caráter transformado e destino como patriarca do povo de Deus – ele lutou com Deus e homens e prevaleceu (Gn 32:28), e agora lideraria uma nação que levaria seu nome (os “filhos de Israel”). Reiterar o nome Israel em Betel reforça essa identidade abençoada e a ruptura com o antigo “Jacó enganador”. Jacó celebra também o nome do lugar: Betel fora nome dado por ele (Gn 28:19) ao lugar previamente chamado Luz, significando “Casa de Deus”, porque ali percebeu a presença divina. Em 35:7 ele chama o altar de El-Betel (“Deus de Betel”), enfatizando o Deus que se revelou ali. Esse jogo de nomes nos lembra que, na cultura bíblica, conhecer o nome de alguém/lugar equivale a entender seu significado e propósito. Jacó quer que Betel seja lembrado não apenas como um local qualquer, mas como o ponto de encontro com El, o Deus verdadeiro.
Outro ato de renomeação ocorre com o filho de Raquel. Raquel chamou-o de Benoni, “filho da minha dor”, expressando a tragédia de sua morte no parto (35:18). Mas Jacó ao renomeá-lo Benjamim (“filho da destra”) estava conscientemente moldando um destino diferente para o menino – tirando o peso negativo e conferindo-lhe um título de honra. No contexto familiar e tribal, o pai tinha autoridade final sobre o nome dos filhos, e nomes muitas vezes funcionavam como uma espécie de augúrio ou desejo para o futuro. Jacó, cujo próprio nome Deus mudara para melhor, certamente entendeu que nomes importam. Assim, a renomeação de Benjamim foi um gesto cultural de esperança: apesar da desgraça da perda de Raquel, o filho seria visto como bênção e força. Esse princípio se alinha à fé hebraica de que Deus pode transformar maldição em bênção (Dt 23:5). Curiosamente, Benjamim torna-se tribo de importância: dela virão o primeiro rei de Israel (Saul) e, no Novo Testamento, o apóstolo Paulo – judeu “da tribo de Benjamim” (Fp 3:5).
Papel das mulheres e sepultamento patriarcal: Gênesis 35 destaca significativamente duas mulheres falecidas – Débora e Raquel – e registra um dos raros funerais femininos no AT (o outro de relevo fora o de Sara em Gn 23). Isso mostra o carinho e valor dado a essas mulheres na tradição: Débora, embora serva, mereceu menção especial, sugerindo que era muito estimada pela família (possivelmente atuando como ama de Jacó ou das crianças). Raquel, sendo a esposa amada de Jacó, recebe um tributo explícito: o erguimento de um monumento e a perpetuação de sua memória no local. No patriarcado, as esposas normalmente seguiam o destino dos maridos inclusive na morte – Sara foi enterrada na cova de Macpela que Abraão comprou, e presumivelmente Rebeca e Leia também o foram (Leia certamente, pois Jacó relata isso em Gn 49:31). Raquel é uma exceção: morreu longe do clã, em viagem. Isso confere um ar ainda mais trágico, pois Jacó não pôde levá-la para o sepulcro ancestral. Entretanto, a importância do sepultamento fica clara: Jacó não poderia deixar de enterrá-la com dignidade e marcar sua sepultura. Culturas antigas valorizavam muito a noção de repousar com os antepassados. Abraão tinha insistido em comprar um terreno próprio para enterrar Sara, em vez de usar sepulturas estrangeiras, pois cria que seus descendentes herdariam aquela terra (Gn 23). O Túmulo dos Patriarcas em Macpela, Hebrom, tornou-se símbolo da fé na promessa divina da terra – uma “garantia” de que seus descendentes ali permaneceriam. Quando Isaque morre em Gn 35:29, Jacó e Esaú o sepultam precisamente na caverna de Macpela junto a Abraão. Jacó mais tarde (Gn 49:29–32) faz seus filhos jurarem sepultá-lo ali também, ao lado de Abraão, Sara, Isaque, Rebeca e Leia. Esse cuidado com sepulturas familiares reflete a forte conexão entre identidade familiar, terra prometida e esperança no futuro (veja Hb 11:13–16, que menciona que os patriarcas morreram em fé, vendo as promessas de longe). Em contraste, Raquel foi enterrada à beira da estrada. Ainda assim, sua tumba tornou-se um lugar conhecido e até reverenciado – até hoje existe um suposto “Túmulo de Raquel” próximo a Belém que é visitado. Isso ilustra que, embora não no túmulo oficial dos patriarcas, Raquel foi honrada pelos filhos de Israel através da memória coletiva e dos oráculos proféticos que a evocam como mãe do povo (cf. Jr 31:15).
Outra nota cultural é a atitude para com a concubina Bila. No contexto patriarcal, concubinas eram esposas secundárias de status menor, geralmente servas elevadas à união conjugal para fins de procriação (como Agar para Abraão, Zilpa e Bila para Jacó). Porém, ainda que de posição inferior à esposa principal, eram consideradas parte da família e sob proteção do patriarca. O ato de Rúben com Bila foi tão grave porque equivalia a tomar o que era direito exclusivo de seu pai – quase uma usurpação de autoridade doméstica. Em sociedades antigas, isso era um ato de enorme desonra. A Lei mosaica depois determinaria pena de morte para tal incesto (Lv 20:11). Mas na ausência de lei escrita naquele tempo, a sanção veio na forma de perda do direito de primogenitura e repreensão moral. O ocorrido mostra a tensão sucessória interna típica de clãs antigos, onde o filho mais velho aspirava liderar após o pai, às vezes usando meios condenáveis para isso.
Em resumo, o capítulo reflete costumes e valores da época: a pureza ritual como preparação para adorar a Deus, o abandono de ídolos familiares para servir exclusivamente a Javé, o estabelecimento de memoriais (altares, colunas) nos lugares de encontro com Deus, o peso simbólico dos nomes e renomeações, o valor das mulheres na linhagem (mesmo servas fiéis) e a preocupação com sepulturas familiares como parte da herança e continuidade da promessa. Todos esses aspectos ancoram o texto em seu contexto histórico-cultural e enriquecem sua mensagem teológica.
Discussões Teológicas e Polêmicas
Gênesis 35 levanta diversos pontos de discussão teológica e interpretativa, alguns deles alvo de debates ou perspectivas distintas entre comentaristas:
Reafirmação da Mudança de Nome (Jacó/Israel): Por que Deus repete aqui a mudança de nome que já ocorrera em Peniel (Gn 32:28)? Críticos literários sugerem que isso pode refletir a junção de duas tradições diferentes sobre a origem do nome Israel – uma vinda da fonte javista/eloísta (no capítulo 32) e outra da fonte sacerdotal (aqui no capítulo 35), cada uma colocando o evento em contextos distintos. Nessa visão, o redator final manteve ambas as versões. Entretanto, muitos expositores conservadores entendem a repetição de forma teológica, não meramente redacional: Deus estaria confirmando solenemente em Betel aquilo que fora dado em Peniel, como parte da renovação da aliança. Em Peniel, Jacó “lutou com Deus” e recebeu o novo nome numa experiência pessoal e ainda secreta; em Betel, o nome Israel é proclamado por Deus no contexto do pacto e da promessa, quase como uma investidura pública diante da família. Assim, longe de ser duplicativo sem propósito, o segundo ato institucionaliza o nome Israel dentro da história da aliança abraâmica. Observa-se que Abraão também teve seu nome mudado por Deus num contexto de aliança (Gn 17), e o mesmo Deus Todo-Poderoso (El-Shaddai) aparece agora para fazer o paralelo com Jacó. Portanto, teologicamente, a mudança de nome é reafirmada para sublinhar a graça transformadora de Deus: Jacó, o enganador, tornou-se Israel, o príncipe de Deus – e apesar dos erros subsequentes (como sua passividade em Siquém), Deus não revogou Seu chamado. Essa graça confirmatória destaca que a identidade de Israel (povo) está fundada na obra e escolha de Deus, não no mérito humano.
Morte de Débora e Omissão da Morte de Rebeca: Como mencionado, há algo polêmico na inclusão do obituário de Débora (35:8) enquanto nunca se registrou a morte de Rebeca, mãe de Jacó. Alguns estudiosos veem nisso um julgamento sutil sobre Rebeca. Ela teve papel fundamental em cumprir a profecia de Deus (de preferir Jacó sobre Esaú), mas fez isso por meios enganosos e causou profunda ruptura familiar. “Rebeca morre sem memorial” nas Escrituras, ao contrário das demais matriarcas, possivelmente como forma de não enaltecê-la após seu engano. Essa interpretação, proposta por autores como Waltke, sugere que o narrador bíblico às vezes omite honras póstumas como crítica implícita (similarmente, podemos notar que Moisés não teve entrada na Terra Prometida narrada nos termos de um “castigo” pela infidelidade em Meribá). Contudo, outros veem a ausência do registro da morte de Rebeca apenas como um detalhe editorial – a narrativa focou em Jacó e talvez a morte da mãe tenha ocorrido off-screen enquanto Jacó estava longe, sem notícia até muito depois (a presença de Débora com Jacó indicaria que Rebeca faleceu durante os 20 anos de exílio dele, levando Débora a buscar Jacó ou juntar-se a seu acampamento). Seja como for, a menção de Débora honrada com um local chamado “Carvalho do Pranto” mostra que mesmo os “pequenos” servos têm seu lugar na história de Deus, enquanto grandes personagens como Rebeca podem “desaparecer” da narrativa se sua conduta não glorificou a Deus. É uma polêmica interpretativa sobre silêncios intencionais da Bíblia.
Idolatria no clã de Jacó: A presença de ídolos domésticos entre a família de Jacó levanta questões sobre a pureza da fé patriarcal. Como pôde Jacó, herdeiro das promessas, permitir idolatria sob seu teto por tanto tempo? Aqui há críticas à conduta de Jacó: alguns enxergam negligência espiritual de sua parte, tolerando os deuses de Labão que Raquel escondera ou até os ídolos e amuletos possivelmente obtidos no saque de Siquém (34:27-29). Somente diante do chamado de Deus a Betel e do medo de retaliação pós-Siquém Jacó desperta para purificar sua casa. Isso pode indicar que Jacó, apesar de crente no Senhor, não exercia completa liderança espiritual até ser forçado pelas circunstâncias – uma falha em “santificar” sua família mais cedo. Os terafins de Labão, segundo algumas hipóteses, não serviam apenas como amuletos de proteção, mas possuíam significado legal de herança (havia crença de que quem possuísse os terafins poderia reivindicar direitos sobre a propriedade de família). Raquel talvez os tenha roubado pensando em garantir a parte de Jacó na herança do pai ou mesmo (como sugere Kidner) por algum sentimento religioso, tentando não romper totalmente com a fé familiar de origem. De qualquer modo, havia um sincretismo na casa de Jacó até aquele ponto. Teologicamente, isso realça que mesmo a família escolhida precisava constantemente de reforma espiritual. Posteriormente, Israel enfrentaria o mesmo problema de idolatria repetidas vezes, e líderes como Josué ou Gideão também tiveram que ordenar a remoção de ídolos domésticos (Js 24:14, Juízes 6:25). A polêmica aqui é entender por que Jacó não fizera isso antes: teria ele desconhecido que Raquel possuía os ídolos? Ou não quis confrontá-la? Ou sua fé monoteísta ainda não estava plenamente amadurecida? A narrativa não responde diretamente, mas o fato de que Deus exige isso ao chamá-lo de volta a Betel (35:1) sugere que o Senhor mesmo aguardava esse passo de Jacó. Em aplicação, enfatiza-se que não se pode servir a Deus sem abandonar os rivais – uma lição atemporal.
Renomeação de Benoni/Benjamim – Fé versus Fatalismo: A decisão de Jacó de não aceitar o nome “filho da minha dor” dado por Raquel e substituí-lo por “filho da mão direita” tem gerado reflexão teológica. Alguns podem questionar: não seria desrespeito à memória de Raquel mudar o nome que ela escolheu em seu último suspiro? Porém, Jacó, que amava Raquel profundamente, discerne que viver sob o nome Benoni seria impor ao menino uma identidade de desgraça (sempre lembrando a todos da tragédia). Ele, como pai e agora único progenitor presente, tem a autoridade e também a sensibilidade espiritual para projetar esperança no filho. Teologicamente, pode-se ver aqui um contraste entre visão humana e visão de fé: Raquel, em sua agonia, fala verdadeiramente de dor; Jacó, em fé, aponta para a bênção futura. Ambos os nomes são verdade – aquele filho foi fruto de dor, mas também seria motivo de força e honra. A tradição cristã às vezes viu nesse ato um paralelo com experiências em que Deus muda nossa designação de “tristeza” para “alegria”, de “derrota” para “vitória”. Há também uma nota cristológica que alguns comentaristas (como MacDonald citado) fazem: Benoni prefigura Cristo no sofrimento (Filho das Dores), e Benjamim prefigura Cristo na exaltação (assentado à destra do Pai). Embora essa tipologia não seja explícita no texto bíblico, é uma leitura devocional possível. No âmbito polêmico, pode-se debater até que ponto é válido ver tipos de Cristo em cada detalhe do AT, mas no mínimo a dualidade sofrimento/glória se encaixa no padrão redentivo.
Paralelos com a Aliança Abraâmica: Gênesis 35:11-12 é essencial para a teologia bíblica, pois conecta Jacó diretamente a Abraão. As promessas de “fecundidade, nações, reis” e “a terra” ecoam Gn 17:6-8. Isso traz à tona a questão das reiterações pactuais: por que Deus “repete” as mesmas promessas a cada geração? A resposta teológica comum é que Deus pessoalmente confirma Sua aliança com cada patriarca, mostrando que não é “herdada automaticamente” sem relacionamento – cada um (Abraão, Isaque, Jacó) teve sua experiência de aliança com Deus. Alguns críticos sugerem que essas repetições indicam composições sacerdotais tardias querendo sublinhar a promessa da terra e descendência (especialmente durante ou após o exílio, para reforçar esperança de possessão da terra) – argumentando que a menção de “reis” poderia refletir período monárquico ou exílico, não tempos patriarcais. Porém, nada impede que Deus de fato tenha mencionado “reis” profeticamente (como fez a Abraão). De fato, a inclusão de “uma comunidade de nações” e reis saindo de Jacó antecipa não só a monarquia de Israel, mas também que de Jacó viriam nações além de Israel (Edom, e possivelmente outras tribos ligadas). Do ponto de vista da unidade de Gênesis, esses paralelos mostram intencionalidade literária e teológica: o Deus de Abraão é o Deus de Isaque e agora o Deus de Jacó – um único plano fluindo. O capítulo 35 funciona quase como uma renovação de pacto no estilo de Gn 17. Para a teologia reformada, isso evidencia a continuidade da aliança da graça ao longo das gerações eleitas, até culminar em Israel como povo do pacto. O sinal visível dessa aliança, a circuncisão, Jacó já possuía (provavelmente circuncidado no oitavo dia como neto de Abraão). Em Betel, ele recebe novamente a palavra da aliança. Aparece aqui também o conceito de monarquia ligado à promessa – algo que será desenvolvido depois (Nm 24:17 prefigura um rei em Israel, Gn 49:10 fala do cetro em Judá). A menção de reis, portanto, conecta-se diretamente às bênçãos de Jacó a Judá (49:10) e José (49:26) e lança um arco até a instituição da realeza em Davi.
Comportamento de Jacó: fé e falhas: Diversos comentaristas avaliam criticamente a conduta de Jacó até aqui. Polêmicas giram em torno de sua passividade diante do estupro de Diná e do massacre que seus filhos promoveram (cap. 34), sua aparente falta de liderança espiritual pré-Betel, e agora sua reação branda (no momento) ao pecado de Rúben. Uma leitura moralista poderia condenar Jacó por ser frequentemente “reativo” e não proativo. Por exemplo, ele não tomou iniciativa de voltar a Betel até Deus mandar; ele não conduziu a família em piedade até uma crise ocorrer; ele não enfrentou Rúben imediatamente. Por outro lado, a Escritura destaca também os acertos de Jacó: ele obedeceu prontamente quando Deus falou desta vez; ele liderou a purificação radical do clã; ele tomou decisão de fé ao renomear Benjamim; e pelo resto de sua vida, não há registro de Jacó voltar à idolatria – ao contrário, ele cultiva fé (Gn 47:9-10, 48:15). A visão reformada tende a ler Jacó dentro da doutrina da graça soberana: Deus o escolhera incondicionalmente (cf. Ml 1:2-3, Rm 9:10-13) – “Deus amou Jacó não por causa de suas virtudes, mas apesar de seus pecados”. Sua vida ilustra que a eleição divina não se baseia em méritos, pois Jacó tinha falhas de caráter; mas Deus o transformou gradualmente. Ainda que Jacó colhesse consequências de suas atitudes (enganos, favoritismos etc. que geraram conflitos), no fim a fidelidade de Deus triunfou sobre as infidelidades humanas. Wenham aponta que o narrador de Gênesis ao mostrar as falhas dos escolhidos está, na verdade, destacando a graça de Deus como fundamento último da salvação, e não a virtude humana. Jacó é um exemplo marcante: trapaceou, foi trapaceado, demorou a cumprir votos – mas Deus permaneceu com ele e o trouxe de volta. Isso nos leva à discussão teológica sobre santificação: Jacó aos 30 anos em Betel (Gn 28) não é o mesmo Jacó aos ~60 anos neste retorno a Betel – ele aprendeu dura e lentamente a confiar e obedecer. Seus sofrimentos (exílio, encontro com Esaú, tragédia de Diná, morte de Raquel) o moldaram.
Críticos podem dizer que “Jacó só se endireitou quando envelheceu e perdeu as forças para aprontar” – mas a narrativa sugere que houve crescimento genuíno em fé. Após Betel, não vemos Jacó enganar ninguém; vemos ele lamentar profundamente José (pensando-o morto) e depois se alegrar em Deus na reunião no Egito. Então, a polêmica de avaliação de Jacó é: herói de fé ou anti-herói transformado? A Epístola aos Hebreus 11:21 inclui Jacó entre os heróis da fé, apontando sua bênção final aos filhos de José “adorando apoiado sobre seu bordão” – um quadro do patriarca quebrantado, mancando (desde Peniel) mas adorando. Assim, a tradição judaico-cristã tende a enxergar Jacó como um homem que Deus lapidou ao longo de décadas, usando inclusive sofrimentos familiares para refiná-lo.
Sofrimento e promessa andando juntos: Um ponto teológico destacado por vários comentaristas (inclusive Wiersbe e Kidner) é a justaposição de renovação espiritual com dor e perda em Gênesis 35. Logo depois de Jacó voltar ao centro da vontade de Deus (Betel), ele enfrenta sucessivas tragédias: a morte de Débora, a morte de Raquel, o pecado de Rúben, e no fechamento a morte de Isaque. Não há uma “pausa” idílica após Betel; pelo contrário, parece que dificuldades continuam a cercá-lo. Isso desmente qualquer noção de que seguir a Deus resultaria em vida sem lutas. Por que Deus permitiu tantas dores justamente no momento em que Jacó estava obedecendo? Essa questão polêmica se responde dentro de uma compreensão da soberania divina: Deus não prometeu a Jacó ausência de sofrimentos, mas prometeu Sua presença e cumprimento do plano messiânico apesar deles. Há um aparente paradoxo da providência: Raquel morreu logo após Jacó erguer um altar ao Deus que a tornara fecunda anos antes; Rúben pecou no mesmo período de restauração da fé de Jacó – evidenciando que a santidade do líder não automaticamente santifica os filhos; e Isaque partiu, deixando Jacó “órfão” mas agora cabeça do clã. Em termos teológicos, isso ressalta que a disciplina e os desígnios de Deus para moldar Seu povo frequentemente envolvem sofrimento. Jacó colheu parte do que plantou (sua passividade contribuiu para o caso de Diná e a sede de vingança dos filhos; seu favoritismo por Raquel criou rivalidades; o pecado de Rúben pode ter sido inflado pela tensão familiar). Contudo, Deus usou até essas tristezas para cumprir Seus propósitos maiores – a formação das tribos e o avanço da história da redenção.
Alguns comentaristas reformados poderiam apontar aqui a doutrina da peregrinação sob a cruz: assim como Abraão e Isaque tinham sido peregrinos, Jacó também deveria aprender que não estamos ainda no lar final. As perdas fazem ansiar pela consumação da promessa (Hb 11:13–16). Em termos devocionais, a sequência de Gênesis 35 prefigura a vida do crente: depois de momentos de íntima comunhão com Deus, ainda enfrentamos vales sombrios. Isso não contradiz a fidelidade divina; pelo contrário, Deus nos sustenta nos vales. Jacó renomeou Benoni para Benjamim – um ato de fé em meio à dor. E no fim do capítulo, Deus providencia que Jacó esteja em paz com Esaú e presente ao sepultar Isaque, fechando sem pendências sua geração. Ou seja, Deus é fiel, mas não isenta Seu povo de provações. Essa mistura de alegria espiritual com lágrimas terrestres é um tema teológico perene, já percebido nos patriarcas.
Em suma, Gênesis 35 apresenta um Jacó renovado mas ainda provado, e suscita debates sobre a interação entre graça divina e responsabilidade humana, sobre as razões de sofrimentos dos justos e sobre a santidade progressiva do povo de Deus. As perspectivas variam: a crítica literária destaca possíveis fontes distintas para o material; a abordagem evangélica tradicional enfatiza as lições morais e de fé (limpeza de ídolos, cumprimento de votos, liderança espiritual na família); a teologia reformada ressalta a graça soberana que preserva Jacó e cumpre a aliança apesar das falhas; e uma leitura histórica percebe o capítulo como consolidando a identidade do Israel tribal e monoteísta contra o pano de fundo de um Canaã idólatra.
Visões Doutrinárias: Reformadas, Evangélicas e Críticas
Perspectiva Reformada: Os intérpretes de linha reformada tendem a enfatizar neste capítulo a soberania de Deus na aliança e a depravação/redenção do homem evidenciadas na história de Jacó. Como mencionado, Romanos 9 destaca que antes mesmo de nascerem Jacó e Esaú, Deus escolhera Jacó – não por obras, mas pela graça de Sua eleição. Em Gênesis 35 vemos a confirmação dessa eleição: apesar dos muitos pecados e tropeços de Jacó, Deus cumpre Suas promessas nele. Comentaristas reformados sublinham que Deus chama Jacó de volta (monergismo divino iniciando a restauração) e que o “avanço do reino de Deus” na história patriarcal dependeu da graça soberana, não da fidelidade humana. As virtudes dos patriarcas frequentemente se misturaram com vícios, mas Deus recorreu à Sua misericórdia para garantir o cumprimento do pacto. Esse entendimento reforça doutrinas centrais reformadas: sola gratia (somente a graça) e a perseverança dos santos (Deus preservou Jacó até o fim). Ainda, a frase de Gn 35:11 “nações e reis procederão de ti” pode ser vista à luz da teologia do pacto como um vislumbre do governo de Deus sobre as nações através do Messias que viria da linhagem de Jacó (pacto davídico em germe). Também, reformados poderiam apontar que Jacó, ao enterrar os ídolos, realiza uma espécie de arrependimento nacional em miniatura, que Israel repetiria várias vezes – evidência da necessidade constante da graça renovadora. Um comentarista reformado expressou bem: “Deus amou Jacó apesar de seus pecados; não por causa de seus méritos, mas apesar de seus deméritos”. A eleição incondicional é vista no fato de Deus Se identificar como “o Deus de Jacó” mesmo após tudo (v.13, cf. Êx 3:6) – Ele Se vinculou a Jacó por aliança soberana. Assim, para a teologia reformada, Gênesis 35 é um conforto: Deus permanece fiel quando somos infiéis, e Sua promessa não falha mesmo em meio a nossa dor e bagunça.
Perspectiva Evangélica/Devocional: Escritores evangélicos geralmente extraem de Gênesis 35 lições práticas de vida com Deus, aplicando-as aos crentes de hoje. Uma ênfase comum é “Voltar a Betel” como metáfora para retornar ao primeiro amor e compromisso com Deus. Assim como Jacó teve que voltar ao local onde Deus lhe aparecera e cumprir o que prometera, cristãos às vezes precisam retornar a um ponto de consagração que deixaram para trás. Warren Wiersbe, por exemplo, destaca a importância de remover os “ídolos” modernos de nossas vidas ao buscar renovação espiritual – quaisquer coisas que competem com Deus pelo nosso coração. Ele também nota que para Jacó Betel significava menos um lugar físico e mais um encontro com Deus: “o importante não era o lugar, mas o Deus do lugar”. Evangelicamente, isso se traduz em valorizar a presença de Deus e não os rituais ou locais externos. Outra lição sublinhada é que o arrependimento genuíno exige ações concretas – Jacó não apenas sentiu pesar, ele fez uma limpeza total na casa. Os crentes são desafiados a “enterrar seus ídolos” – confessar e abandonar pecados, cortando laços com o passado comprometedores – para experimentar renovação.
Além disso, um ponto muito frisado em literaturas devocionais é o já mencionado equilíbrio entre vitória espiritual e sofrimento. Um comentário evangélico (no estilo de Wiersbe) diz: “o novo passo de fé dado por Jacó não evitou que passasse por outros problemas e provações”. De fato, durante aquele tempo de renovação ele enterrou seu pai, sua esposa amada e enfrentou o pecado horrível do filho. A conclusão prática é que ser um cristão vitorioso não significa escapar das dificuldades da vida ou ter somente dias tranquilos; antes, significa andar com Deus pela fé, confiando que Ele está conosco e nos ajudará para nosso bem e para Sua glória, independentemente das dificuldades pelas quais passarmos. Tal reflexão ecoa passagens do NT como Tiago 1:2-4 e 1Pedro 1:6-7 – provações produzindo perseverança e fé refinada. Então, o leitor evangélico é encorajado a não estranhar “o fogo ardente” após momentos de bênção, mas buscar o propósito de Deus nisso.
Há também considerações sobre oração e cumprimento de votos: Jacó fez um voto em Gn 28 e demorou a cumpri-lo. Os expositores alertam contra promessas esquecidas a Deus – Deus não esquece. Melhor é não votar do que votar e não pagar (Ec 5:4-5) se aplica. Entretanto, nunca é tarde para obedecer: Jacó finalmente obedeceu, e Deus o abençoou em Betel assim mesmo. Isso demonstra a paciência de Deus e que Ele honra quando finalmente Lhe damos o que prometemos.
No aspecto familiar, evangélicos tiram lições sobre liderança do lar: o pai crente deve eliminar os “ídolos” do seu lar (influências que desviam da fé) e guiar sua família em adoração ao Senhor. Jacó dizendo “purificai-vos” (35:2) serve de modelo de liderança espiritual masculina. Ainda que tardio, ele o fez – melhor tarde do que nunca.
Por fim, a cena de Jacó e Esaú juntos no funeral de Isaque inspira reflexão sobre perdão e reconciliação. Evangélicos veem aí a beleza de irmãos outrora em inimizade agora unidos em amor filial. Aplica-se ao valor de resolver mágoas familiares antes que seja tarde – Jacó e Esaú tiveram anos separados, mas não deixaram de honrar o pai juntos. Isso modela, por exemplo, paz entre irmãos em Cristo servindo juntos para a glória de Deus (apesar de diferenças passadas).
Perspectiva Crítica/Acadêmica: Do ponto de vista acadêmico crítico, Gênesis 35 pode ser analisado sob lentes históricas e literárias. Uma abordagem da crítica das fontes, já mencionada, veria possivelmente traços da fonte Eloísta na referência a Betel (E era conhecida por ênfase em revelações em sonhos e em Betel, cf. Gn 28) combinados com traços da fonte Sacerdotal na teofania de 35:9-13 (que tem linguagem de bênção divina, mudança de nome e multiplicação de povos típica do estilo P, como em Gn 17). A menção de “El-Shaddai” e o tom formal do discurso divino (“Frutificai e multiplicai-vos... reis procederão de ti... a terra que dei a Abraão e Isaque, darei a ti...”) são indicadores apontados como de redação sacerdotal. Assim, críticos supõem que um redator final mosaicou esses materiais para harmonizá-los, resultando em alguma redundância (nome Israel dado duas vezes). Essa teoria, contudo, é contestada por outros que veem unidade temática no texto final.
Historicamente, alguns questionam a referência a “torre de Éder” ou a localização de Betel e Efrata, mas há pouca controvérsia arqueológica aqui – Betel é associado a Beitin no centro de Canaã, Efrata é Belém. Allon Bacuth (carvalho do choro) pode ser lido como um detalhe etiológico – possivelmente um local conhecido a posteriori, e o texto explica o nome.
Uma questão crítica poderia ser: qual a historicidade do terror de Deus sobre as cidades? Teria havido realmente um medo sobrenatural impedindo ataques? Ou seria uma interpretação teológica do fato de Jacó ter viajado sem incidentes? Um cético poderia dizer que talvez não houvesse perseguição simplesmente porque as cidades cananeias estavam desorganizadas ou não consideraram valer a pena. Já o texto sagrado atribui claramente a intervenção divina. Essa diferença toca na perspectiva de fé versus uma leitura secular dos eventos. Para o crente, Gênesis não é lenda, mas história teológica confiável: Deus de fato agiu de modo invisível em favor de Jacó.
Outra abordagem crítica estaria interessada no desenvolvimento da religião israelita: Gênesis 35 apresenta Jacó abolindo idolatria interna e adorando a um só Deus em Betel. Poderia sugerir memórias de um tempo em que Betel foi centro de culto legítimo a Javé (antes de virar sede de um bezerro idolátrico em tempos de Jeroboão). Os críticos notam que Betel foi importantíssimo no reino do norte, e alguns postulam que tradições jacóbicas de Betel foram compiladas talvez nessa região. No entanto, essa especulação literária não diminui o valor teológico do texto, mas busca entender seu contexto de composição.
Por fim, do ponto de vista ético-crítico, episódios como o de Rúben geram discussões. Alguns leitores modernos se perguntam por que Jacó não reagiu na hora a um caso tão sério de abuso. Isso leva a reflexões sobre a impunidade patriarcal e a condição feminina (Bila aqui é vítima silenciosa de abuso de poder; o texto não registra sua voz nem defesa – uma realidade dura do contexto antigo, onde concubinas tinham pouca proteção legal). Autores com abordagem mais feminista, por exemplo, lamentam o destino de Bila, “tomada” por Rúben e depois possivelmente afastada por Jacó (não há menção de Bila após isso; talvez Jacó não a tenha mais tocado). Isso traz a polêmica de injustiças de gênero na Bíblia: a narrativa relata mas não aprova o ato – pelo contrário, Rúben é punido futuramente. Contudo, a ênfase está na ofensa contra o pai, mais do que contra Bila. Esse desequilíbrio é culturalmente compreensível (o patriarca era a figura central lesada), mas moralmente desconfortável. Leitores críticos notam esses silêncios e buscam dar voz aos personagens marginalizados.
Em resumo, a visão crítica se preocupa com as fontes, com contexto histórico do texto e com implicações sociais, enquanto a leitura devocional e reformada enfatiza as lições espirituais e doutrinárias. Em Gênesis 35, felizmente, todas essas camadas podem dialogar: o capítulo é ao mesmo tempo uma colcha literária rica de motivos teológicos antigos (altar, teofania, promessa, nome divino El-Shaddai), uma narrativa honesta sobre uma família imperfeita e um testemunho perene da fidelidade de Deus ao Seu pacto.
Conexões Intertextuais Bíblicas
Gênesis 35 está interligado a vários outros trechos das Escrituras, tanto anteriores quanto posteriores, formando uma tapeçaria de ecos e alusões:
Conexão com Gênesis 28: O elo mais óbvio é com a primeira experiência de Jacó em Betel (Gn 28:10–22). Em Gn 28, Jacó fugia de Esaú e teve o sonho da escada entre céu e terra, com anjos e o Senhor renovando a promessa abraâmica para ele. Jacó então acordou maravilhado e exclamou: “Quão temível é este lugar! É a casa de Deus, a porta dos céus”, e nomeou aquele lugar Betel, erigindo e ungindo uma coluna. Ele também fez um voto: se Deus o guardasse e trouxesse de volta em paz, ele faria daquele lugar um santuário do Senhor e daria o dízimo. Agora, em Gênesis 35, Jacó cumpre esse voto. Deus explicitamente menciona “o Deus que te apareceu quando fugias de Esaú” (35:1,7), ligando as duas cenas. Além disso, o Senhor reaparece “de novo” em Betel para confirmar as mesmas promessas que fez no capítulo 28. Podemos dizer que Gn 28 e Gn 35 são como duas pontas de um mesmo arco: a partida de Jacó e seu retorno. A escada/caminho para o céu que Jacó viu em sonho se traduz agora na realidade de comunhão com Deus estabelecida – Deus cumpriu “estarei contigo e te trarei de volta” (Gn 28:15) exatamente aqui. Jacó derramando uma libação e óleo em 35:14 ecoa a unção que fez em 28:18. Até a linguagem de “casa de Deus” retorna (35:15). Essa forte conexão sublinha que Betel é um lugar de revelação contínua na vida de Jacó e, por extensão, um lugar teológico importante em Gênesis. Em termos canônicos, a escada de Jacó em Betel é vista por alguns como tipo de Cristo, o mediador entre céu e terra (Jesus alude a isso em João 1:51). Assim, o retorno de Jacó a Betel e a presença renovada de Deus apontam para a fidelidade de Deus em prover o “caminho ao céu” e em habitar com Seu povo.
Conexão com Gênesis 32 e 33: Embora não citados diretamente, os eventos de Peniel (luta com o anjo, Gn 32:24–30) e o encontro com Esaú (Gn 33) formam o pano de fundo do nome Israel reafirmado aqui e da paz com Esaú no final. Hosea 12:3-5 explicitamente faz ligação: “[Jacó] lutou com Deus... ele lutou com o anjo e prevaleceu; chorou e pediu favor; em Betel Deus achou a Jacó e ali Deus falou conosco – o Senhor, Deus dos Exércitos”. O profeta Oséias une Peniel e Betel como duas experiências transformadoras de Jacó, aplicando-as à nação de Israel. Ele relembra como Jacó lutou em oração (Peniel) e como buscou a Deus em Betel, exortando seus contemporâneos a também voltarem ao Senhor. Essa é uma clara interpretação profética da vida de Jacó: Oséias apela a Israel para imitar o seu pai Jacó em arrependimento e busca de Deus (Os 12:6). Portanto, Gênesis 35 (Betel) é usado por Oséias para falar “conosco” – “ali [Betel] Deus falou conosco”, diz o texto, tornando atemporal aquele encontro. Isso mostra que os profetas liam as narrativas patriarcais como instrução espiritual para Israel.
Conexão com Gênesis 17: Já mencionamos repetidas vezes os paralelos entre Gn 35:9-12 e Gn 17 (Deus com Abraão). Ambos têm: aparição de El-Shaddai, mudança de nome (Abrão/Abraão; Jacó/Israel), frutificai e multiplicai-vos, nações e reis, e promessa da terra. Isso coloca Jacó no mesmo patamar de Abraão no que tange à aliança. Além disso, em Gn 17 Deus institui a circuncisão; em Gn 35 Jacó institui um altar e coluna em Betel – ambos são marcos pactuais (sinal físico no corpo, e um santuário físico na terra). Os ecos literais sugerem que o autor quis que lembrássemos de Abraão ao ler sobre Jacó. Mais um paralelo: após Deus falar com Abraão em Gn 17, Abraão “levantou-se” (17:22); após Deus falar com Jacó, “Deus se elevou” (35:13). E Abraão também experimentou logo depois em Gn 18 uma dor (quase perdera Ismael na circuncisão e soube da futura destruição de Sodoma onde Ló vivia), assim como Jacó experimentou lutos logo após Betel. Isso tudo reforça a unidade do plano de Deus através das gerações.
Conexão com Gênesis 49: O capítulo 49 de Gênesis contém as bênçãos de Jacó aos seus filhos antes de morrer, e ali vemos referências diretas aos eventos de Gênesis 35. Jacó inicia falando a Rúben: “Turbulento como as águas, não serás o mais excelente, pois subiste à cama de teu pai e a profanaste” (Gn 49:4) – alusão explícita ao pecado com Bila. Ou seja, Gn 49 mostra o desfecho do caso de Rúben mencionado em 35:22, confirmando a penalização: Rúben perde a primazia (e de fato, nenhuma liderança duradoura saiu da tribo de Rúben na história de Israel). Em Gn 49:8-12, Jacó dá a primazia régia a Judá, e em 49:22-26 dá a primazia material (dupla porção) a José – cumprindo a redistribuição da primogenitura em decorrência do ato de Rúben. Jacó diz que José foi abençoado “pelo Deus de teu pai, o qual te ajudará, pelo Todo-Poderoso (Shaddai) o qual te abençoará...” (49:25). Novamente temos Shaddai invocado, sem dúvida relembrando a aparição de Betel quando Deus Todo-Poderoso prometeu abençoar e multiplicar Jacó/Israel. Jacó abençoa José mencionando “as bênçãos do peito e do ventre” (49:25), possivelmente remetendo às bênçãos de fertilidade prometidas em Betel (o termo Shaddai, como visto, é associado por alguns à ideia de “seio”, isto é, Deus supridor). Além disso, Jacó lembra em Gn 48:7 a morte de Raquel “no caminho de Efrata”, mostrando que aquela perda nunca lhe saiu da memória. Em Gn 48:3-4, como já citado, Jacó conta a José: “O Deus Todo-Poderoso me apareceu em Luz, na terra de Canaã, e me abençoou, e me disse: Eis que te farei frutificar e multiplicar... e darei esta terra à tua descendência” – Jacó explicitamente transmite a José e seus filhos (Efraim e Manassés) as promessas de Betel. Ou seja, Gênesis 48-49 funciona como eco e aplicação de Gênesis 35: as promessas recebidas são passadas adiante, os pecados cometidos são julgados, e as esperanças são reafirmadas.
Conexão com Êxodo 3: Quando Deus aparece a Moisés na sarça ardente, Ele Se identifica como “o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (Êx 3:6). Essa tríade finalizou-se só depois da morte de Jacó (pois antes se dizia “Deus de Abraão e Isaque” – Gn 28:13, 32:9). Gênesis 35:27-29 registra justamente a morte de Isaque e estabelece Jacó como o herdeiro vivo das promessas. Doravante, o Deus da aliança será conhecido pelos três patriarcas. Êxodo 3 mostra isso ao dizer também: “EU SOU... o Deus de Abraão, Isaque e Jacó; este será meu nome para sempre” (Êx 3:15). Jesus mais tarde argumenta sobre a ressurreição a partir dessa frase, “Deus de Abraão, Isaque e Jacó”, porque Deus “não é Deus de mortos, mas de vivos” (Mt 22:32). Assim, a menção repetida desses três nomes juntos se tornou uma fórmula pactual importante. Sem Gênesis 35 (morte de Isaque, consagração de Jacó), esse título divino não estaria completo. Quando Jacó diz em Gn 35:11 que de seus lombos sairão reis, isso também prepara para Êxodo, onde Israel começa a se formar como nação, e mais tarde para a era dos reis. Notemos ainda que Êxodo 1:1-5 lista “os filhos de Israel” que desceram ao Egito, mencionando os 12 filhos de Jacó (incluindo Benjamim). Essa lista é praticamente idêntica à de Gn 35:23-26 (exceto por arranjos ligeiros de ordem). Isso mostra que Gn 35 serviu como base genealógica para a narrativa do Êxodo – a transição de famílias patriarcais para as tribos de Israel.
Conexão com Josué e Juízes: Em Josué 24, quando Josué renova a aliança em Siquém, ele relembra a história desde os patriarcas. Embora não cite Betel explicitamente, ele menciona que Deus conduziu Jacó ao Egito (Js 24:4). Mais relevante: após o discurso de Josué exortando a abandonarem deuses estranhos, o povo promete servir a Javé, e Josué ergue uma pedra de testemunho “debaixo do carvalho que estava junto ao santuário do Senhor” em Siquém (Js 24:26). Isso lembra o carvalho em Siquém onde Jacó escondeu os ídolos (Gn 35:4) e possivelmente indica que o próprio local onde Jacó enterrou os ídolos tornou-se um memorial no tempo de Josué – o carvalho de Moré em Siquém. Assim, a purificação de Jacó teve eco na purificação de Israel sob Josué, no mesmo lugar. Já no livro de Juízes, Betel aparece como local de consulta a Deus (Jz 20:18,27 – ali estava a arca temporariamente). Isso sugere que Betel continuou sendo visto como lugar legítimo de encontro com Deus até certo período. Infelizmente, séculos depois, Betel se tornou centro de idolatria quando Jeroboão I colocou ali um bezerro de ouro (1Rs 12:28-29) – uma trágica perversão de seu passado sagrado. Os profetas Oséias e Amós criticam “Betel” pelos pecados (chamando-o irônicamente de “Beth-Aven”, casa do mal – Os 4:15, Am 5:5). Esse contraste acentua a tragédia: o lugar onde Deus se revelara a Jacó virou lugar de adoração corrompida. Amós 5:4-6 clama: “Buscai-me e vivei; mas não busqueis Betel”, implicando que Betel, apesar de sua herança, havia se tornado insalvável no estado idolátrico. A história original em Gn 35 nos lembra, no entanto, do propósito santo de Betel. Isso ilustra um princípio: lugares e instituições santas podem se corromper ao longo do tempo – um tema que aparece muito nos livros históricos e proféticos.
Conexão com Oséias 12: Já abordamos, mas vale reforçar: Oséias 12:2-6 faz referência direta tanto a Jacó lutando com o anjo (Peniel) quanto a Jacó encontrando Deus em Betel. Oséias 12:4 diz: “no ventre, [Jacó] pegou o calcanhar de seu irmão; na sua idade adulta, lutou com Deus... lutou com o anjo e prevaleceu; chorou e buscou o seu favor; achou-O em Betel, e ali Deus falou conosco”. E Os 12:6 conclui: “portanto, volta para teu Deus, guarda o amor e a justiça, e espera continuamente no teu Deus”. O profeta usa Jacó como paradigma do caminho de arrependimento e encontro com Deus. Peniel e Betel juntos pintam Jacó como alguém que, apesar de enganador no início (pegando calcanhar de Esaú), teve um momento de quebrantamento (lutou e chorou) e um momento de comunhão (Betel). “Ali Deus falou conosco” indica que a mensagem dada a Jacó em Betel (promessa de graça) é para todo o Israel ouvir. Ou seja, Oséias lê Gênesis 35 de forma corporativa e vigente. Essa é uma intertextualidade interpretativa explícita dentro da Bíblia – o próprio texto posterior interpreta o anterior e o aplica. Dado que Oséias profetizou ao reino do norte, que venerava Betel de forma deturpada, ele essencialmente diz: “Lembrem-se do verdadeiro significado de Betel com Jacó e voltem-se ao Deus de Jacó”.
Conexão com Apocalipse 2: Embora não haja citação direta, algumas reflexões temáticas podem ser feitas. Em Apocalipse 2:1-7, a carta à igreja de Éfeso traz a exortação: “Tenho contra ti que abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras” (Ap 2:4-5). Este chamado a voltar ao primeiro amor e às primeiras obras ressoa com o chamado de Deus a Jacó para voltar a Betel e cumprir o voto ali feito. Assim como Éfeso deveria voltar à devoção inicial, Jacó precisava retornar aonde tudo começara com Deus. Betel fora seu “primeiro amor” (primeiro encontro marcante com Deus). A negligência de Jacó em não voltar logo pode ser comparada à negligência de Éfeso em esfriar o amor inicial. Então, de forma analógica, Ap 2:5 ecoa o princípio de Betel: lembrar, arrepender, voltar. Outra ligação possível é com Apocalipse 2:10, à igreja de Esmirna: “Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida”. Jacó experimentou a fidelidade a Deus junto com a morte de entes queridos, mas manteve a fé – e recebeu coroa de bênçãos no final. Ap 2:17 promete “uma pedrinha branca com um novo nome” ao vencedor – podemos lembrar que Jacó recebeu um novo nome (Israel) e ergueu uma pedra em memorial. Essas conexões são mais de princípio do que de textualidade, mas mostram a harmonia de ideias: Deus chama Seus filhos a retornarem a Ele com sinceridade e promete recompensa apesar das tribulações – o que de certo modo resume Gênesis 35.
Simbolismo do número doze: Embora não um texto específico, é digno citar Apocalipse 21:12-14, onde a Nova Jerusalém é descrita com doze portas contendo os nomes das doze tribos de Israel e doze fundamentos com os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro. Essa visão final conecta-se a Gênesis 35: a completude das tribos (filhos de Jacó) foi alcançada com o nascimento de Benjamim, e isso tipologicamente aponta para a completude do povo de Deus. As doze tribos derivam daqui, e Apocalipse mostra que as doze tribos (Antiga Aliança) e os doze apóstolos (Nova Aliança) juntos formam o edifício eterno de Deus. Ou seja, sem Gênesis 35 não haveria a estrutura de doze tribos que permeia toda a Bíblia (12 tribos, 12 apóstolos, 12 estrelas na coroa da mulher de Ap 12:1 representando o povo de Deus etc.). O número doze se torna o número da aliança comunitária – primeiro no nível nacional de Israel, depois no nível universal da Igreja. Assim, Gênesis 35:22-26, ao listar os doze filhos, está fixando um número que terá eco profundo na simbologia bíblica futura.
Essas intertextualidades demonstram que Gênesis 35 não é um relato isolado, mas um nó importante na grande rede narrativa da Bíblia. De Gênesis a Apocalipse, os temas aqui presentes – encontro com Deus, purificação, aliança, perda e esperança, povo santo – reaparecem e se desenvolvem. Jacó voltar a Betel antecipa Israel voltar para Deus através dos profetas, e aponta para cada crente voltando ao “primeiro amor” em Cristo. As doze tribos delineadas apontam para a completude do povo de Deus consumada na glória. Assim, estudar Gênesis 35 com atenção intertextual enriquece seu significado e mostra a mão do Autor divino guiando a história sagrada.
Aplicações Pastorais e Reflexões Contemporâneas
Gênesis 35, com sua mescla de renovação espiritual e desafios humanos, oferece abundantes aplicações práticas para a vida de fé hoje. Alguns dos principais ensinamentos e exortações que emergem deste texto para o público contemporâneo – sejam leigos dedicados, sejam estudantes de teologia – incluem:
1. Retorno à intimidade com Deus: Jacó ouvir a voz de Deus dizendo “Volte para Betel” (35:1) ilustra a graça de um recomeço. Todos nós, em algum ponto, precisamos voltar a Betel – isto é, retornar àquele lugar onde nosso amor por Deus era puro e obediente. Pode ser que tenhamos nos estabelecido comodamente em “Siquém”, meio termo de obediência, e Deus nos chama de volta à plena consagração. Para o cristão, isso significa voltar ao Calvário, voltar aos pés de Jesus, relembrar as experiências marcantes que tivemos com Ele e renovar nossos votos de servi-lO. Se decaímos em nossa devoção, o Senhor diz: “Lembra-te de onde caíste, arrepende-te e volta às obras do princípio” (Ap 2:5). Jacó atrasou-se anos para cumprir seu voto, mas quando decidiu obedecer, Deus não o rejeitou – pelo contrário, encontrou-o em Betel com renovada benevolência. Isso nos ensina que, não importa quanto tempo estivemos distantes, ainda há um caminho de volta. Deus anseia por nosso retorno e está pronto para se revelar novamente a nós quando dermos passos de obediência na direção certa.
2. Purificação de ídolos e pecados ocultos: Antes de subir a Betel, Jacó fez seu culto doméstico de limpeza espiritual. Ele disse à família: “Livrem-se dos deuses estrangeiros que há convosco, purifiquem-se e mudem suas vestes” (35:2). Isso nos desafia a examinar nossa própria vida e família: que “deuses estranhos” possuímos? Talvez não sejam estátuas físicas, mas podem ser ídolos do coração – bens materiais, ambições egoístas, entretenimentos viciantes, tradições vazias ou pecados acalentados. Colocar Deus em primeiro lugar implica jogar fora tudo que usurpa o trono de Cristo em nosso coração. Assim como Jacó enterrou os ídolos sob o carvalho, às vezes precisamos fazer atos concretos de renúncia: jogar fora objetos ligados a pecado ou ocultismo, cortar um relacionamento indevido, renunciar um hábito pecaminoso. Também “purificar-se e trocar as vestes” simboliza arrependimento genuíno, deixando práticas impuras e se revestindo de justiça (Ef 4:22-24). Líderes cristãos podem se inspirar em Jacó para ordenar suas “casas” (literal e figurativamente) – pais assumindo seu papel de guiar a família em santidade, pastores levando a congregação a se desfazer de sincretismos e mundanismos. Essa passagem lembra diretamente a exortação de Josué: “Lançai fora os deuses estranhos que há no vosso meio e inclinai o coração ao Senhor” (Js 24:23). Em uma época de muitos ídolos sutis (tecnologia, fama, relativismo), precisamos desse “despojamento” deliberado para experimentarmos renovação espiritual.
3. Fidelidade de Deus e chamada à nossa fidelidade: Mesmo após anos de silêncio, Deus ainda se chamava “o Deus que te apareceu” (35:1) e estava disposto a continuar a história com Jacó. Isso mostra que Deus permanece fiel à Sua palavra, esperando pacientemente nosso alinhamento. “Se formos infiéis, Ele permanece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo” (2Tm 2:13). Jacó, apesar de infidelidades, não perdeu as promessas – mas perdeu tempo e sofreu consequências. Para nós, há uma séria advertência: não devemos abusar da paciência de Deus. Jacó colheu tristezas por ter ficado em Siquém (a tragédia de Diná e a vergonha em Canaã vieram nesse período). Assim, embora Deus não revogue Seu amor, nossa desobediência nos expõe a dores desnecessárias. Quando Deus nos chama de volta, quanto antes obedecermos, melhor. “Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais o coração” (Hb 3:7-8).
Ao mesmo tempo, Jacó nos inspira a perseverar na fé mesmo quando a vida nos fere. Ele finalmente cumpriu seu voto e recebeu a bênção, mas imediatamente enfrentou a perda de Raquel e outros golpes. Isso serve para corrigir expectativas: fidelidade a Deus não significa ausência de sofrimento. Como Wiersbe bem disse: o cristão vitorioso não é o que vive sem problemas, e sim o que anda com Deus apesar dos problemas. A chamada de Apocalipse 2:10 – “Sê fiel até a morte” – ressoa aqui. Jacó teve que enterrar entes queridos no caminho de obediência, e nós também por vezes sofreremos perdas e aflições enquanto seguimos a Cristo. Mas a promessa é que Ele está conosco. Jacó chamou Benjamim de “filho da destra” – para nós, nosso “Benjamim” em meio às dores é Jesus, o Filho da destra de Deus, nascido para carregar nossas tristezas e nos dar esperança. Podemos seguir em frente após cada luto, porque o Senhor nos sustenta e tem propósitos adiante.
4. O valor do memorial e da gratidão: Jacó ergueu colunas para não esquecer – tanto em Betel (35:14) quanto sobre o túmulo de Raquel (35:20). Isso nos ensina a importância de marcar as intervenções de Deus em nossa vida, cultivando a memória da fé. Hoje não erguemos pedras ungidas, mas podemos lançar mão de outros meios: anotar em diário espiritual momentos em que Deus falou conosco, celebrar anualmente marcos de nossa jornada (por exemplo, o dia de conversão ou de livramento especial), compartilhar testemunhos na igreja para que outros “vejam a coluna” e se lembrem das obras do Senhor. Tais práticas enraízam nossa identidade na ação de Deus. Jacó nomeou lugares conforme as experiências com Deus – Betel, El-Betel. Nós também podemos “nomear” fases da vida: “ali Deus me socorreu... ali Deus me disciplinou...”. Isso promove gratidão e humildade. Igualmente, honrar aqueles que nos precederam na fé é importante: Jacó honrou Débora e Raquel com lágrimas e memória. Somos chamados a honrar a memória de nossos antepassados espirituais, agradecendo a Deus pela influência deles (cf. 2Tm 1:5 – Paulo lembra da fé da avó e mãe de Timóteo). Em âmbito comunitário, cultivar marcos de memória – por exemplo, ceia do Senhor (memorial do sacrifício de Cristo), datas especiais – ajuda a manter viva a herança espiritual e evitar a ingratidão.
5. Liderança espiritual no lar e na igreja: Jacó, após muito vacilar, finalmente tomou atitude de sacerdote do lar: purificou a casa e liderou a família a Betel. Isso fala alto hoje em dia, quando muitas vezes a liderança espiritual é negligenciada nos lares cristãos. Pais podem estar provendo sustento material, mas e o espiritual? Jacó nos lembra que cabe ao líder dizer “Vamos a Betel! Chega de ídolos aqui!” – ou seja, estabelecer prioridades de culto e santidade na família. Aplicando: pais devem promover a oração doméstica, leitura bíblica com os filhos, envolvimento na igreja; eliminar influências nocivas (conteúdos imorais, práticas ocultas ou consumismo exagerado); dar o exemplo de consagração. O resultado de Jacó fazer isso foi que “o terror de Deus” protegeu sua família (35:5) – analogamente, uma família que teme a Deus experimenta Sua proteção e favor, ainda que atravesse lutas. Pastores e líderes também veem aqui modelo: às vezes é preciso confrontar a congregação para deixarem seus “ídolos” (que podem ser tradições anti-bíblicas, pecados tolerados, divisões internas). A renovação na igreja começa com arrependimento e santificação. Depois, Deus envia renovação e avivamento – Ele aparece em Betel e renova promessas quando preparamos o terreno.
6. Consolação no luto e esperança além dele: Jacó teve três sepultamentos em rápida sequência (Débora, Raquel, Isaque) e mais a vergonha com Rúben. Sua vida nos mostra que perdas fazem parte da jornada até para os escolhidos de Deus. Isso nos consola num sentido: não é estranho nem sinal do abandono divino quando sofremos perdas dolorosas. O próprio povo de Deus experimenta luto. Mas há uma forte nota de esperança: após enterrar Raquel, o texto diz “Então partiu Israel...” (35:21). Repare – usa-se o nome Israel aqui, destacando que Jacó, mesmo ferido, agora vive sob a nova identidade dada por Deus. Ele não sucumbiu à tristeza como “velho Jacó” enganador e desesperançado; ele agiu como Israel, homem transformado e resiliente em Deus. Isso é um exemplo para nós: na força que Deus dá, podemos nos levantar da mais profunda dor e seguir adiante no chamado que Ele tem. Há tempo de chorar e tempo de caminhar. O luto de Jacó foi real (ele chorou por Raquel e certamente sofreu calado com Rúben), mas não o paralisou para sempre. Deus concede graça para seus filhos enlutados seguirem vivendo e cumprindo propósito. Como disse Davi após perder seu filho: “Agora ele não voltará para mim, eu irei até ele um dia” (2Sm 12:23) – isso reflete aceitação e esperança. Jacó certamente guardou a esperança de reencontro final no seio de Abraão, e essa mesma fé anima crentes hoje: “não vos entristeçais como os que não têm esperança” (1Ts 4:13). Em acréscimo, vimos Jacó transformar “filho da minha dor” em “filho da minha destra”. Aplicação: não rotule permanentemente as circunstâncias ou pessoas somente pela dor presente; pela fé, vislumbre como Deus pode trazer algo bom e honroso disso. É um chamado a enxergar nossos “Benônis” com os olhos de Deus e chamá-los “Benjamins” – isto é, extrair propósito das feridas, acreditar que “todas as coisas cooperam para o bem” (Rm 8:28). Essa atitude de fé pode mudar a atmosfera do lar e da igreja, tirando o foco da tragédia e colocando na confiança em Deus.
7. O temor de Deus como proteção e testemunho: O “terror do Senhor” que caiu sobre os povos vizinhos (35:5) nos ensina uma verdade: quando o povo de Deus se santifica, o próprio Deus se encarrega de protegê-lo e fazê-lo respeitado pelos de fora. Israel mais tarde experimentou isso ao entrar em Canaã – os inimigos desfaleciam de medo ao ouvir o que Deus fizera (Js 2:9-11). Para nós, isso significa que a melhor defesa e evangelismo da Igreja é sua própria santidade e obediência. Quando a Igreja vive em temor de Deus, Deus coloca um temor saudável nos inimigos ao redor – seja medo ou respeito. Muitos perseguidores já tremeram diante da coragem e integridade de cristãos fiéis. Já quando a Igreja vive em pecado e hipocrisia, ela atrai desprezo do mundo, não respeito. Portanto, busquemos santidade corporativa, e confiaremos que Deus “colocará terror” no acampamento do inimigo, impedindo que o mal prevaleça antes do tempo. Isso não quer dizer ausência de perseguição (pois às vezes Deus a permite), mas que nada tocará no povo de Deus sem Sua permissão, e no tempo certo Ele faz até os inimigos terem paz com os justos (Pv 16:7).
8. Identidade em Deus e não nas tragédias: Jacó poderia ter definido o resto de sua vida pelos traumas (a perda de Raquel, a vergonha do filho). Contudo, Deus reforçou que o nome dele era Israel – ele deveria se enxergar pelo nome que Deus deu, não pelos rótulos das circunstâncias. Em aconselhamento pastoral, isso é poderoso: muitas pessoas se definem por suas dores (“sou viúvo”, “sou traído”, “sou falido”) ou pelos pecados alheios (“filho de alcoólatra”, “família disfuncional”). Mas Deus nos chama pelo nome que Ele nos dá: “meu filho amado”, “escolhido”, “mais que vencedor”. Nossa identidade principal precisa estar enraizada em nossa relação com Deus, não nas feridas sofridas. Jacó não deixou que “pai órfão de José” (quando pensou ter perdido José em Gn 37) fosse sua identidade final – ele reencontrou a alegria quando viu que Deus tinha um plano maior. Assim também, por mais que tenhamos passado por perdas e fiascos, não somos “definidos” por eles; somos definidos por quem somos em Cristo. Essa é uma mensagem de cura e libertação interior.
9. Unidade familiar e reconciliação: O fim do capítulo mostra Jacó e Esaú juntos enterrando o pai. Eles haviam feito as pazes em Gn 33, mas aqui reforça-se que mantiveram essa paz – cooperaram em amor fraternal numa ocasião solene. Aplicação pastoral: apesar de diferenças e caminhos distintos, familiares devem se esforçar para honrar pai e mãe juntos, cuidar uns dos outros na adversidade. Esaú e Jacó seguiram destinos diferentes (Esaú se estabeleceu em Edom, Jacó em Canaã), mas isso não impediu que se tratassem como irmãos. Nas igrejas, quantos relacionamentos rompidos carecem dessa reconciliação! Gênesis 35 nos lembra que é possível conviver pacificamente com quem um dia foi nosso “inimigo íntimo”, se liberarmos perdão. É comovente imaginar que Jacó, o suplantador arrependido, e Esaú, o ofendido que perdoou, juntos fecharam os olhos do pai em Hebrom – imagem de restauração familiar. Para hoje: Deus deseja curar feridas antigas entre irmãos (literalmente e em Cristo). “Enterrar Isaque” juntos pode simbolizar enfrentar juntos um momento difícil e escolher o perdão ao invés do ressentimento. Que muitas famílias cristãs, divididas por questões materiais ou mágoas passadas, possam se reunir no “funeral” do orgulho e da mágoa, e dali em diante cada um seguir seu caminho em paz com Deus e com o outro.
10. Esperança messiânica e cumprimento de promessas: Por fim, não podemos deixar de apontar que Gênesis 35 alimenta a esperança messiânica. Deus prometeu que de Jacó sairiam “reis” e uma “assembléia de nações” (35:11). Isso olha adiante para a monarquia de Davi e finalmente para Jesus Cristo, o Rei dos reis nascido da linhagem de Jacó (da tribo de Judá). Em Belém, perto da sepultura de Raquel, nasceria Jesus muitos séculos depois – Raquel que chorou pelos filhos assassinados de Belém (Mt 2:18) veria figuradamente a consolação chegar na pessoa do Messias. Migdal-Éder, a “torre do rebanho” perto de onde Jacó passou, foi localizada pela tradição judaica próximo a Belém; alguns antigos escritores ligavam Migdal-Éder à proclamação do nascimento do Messias aos pastores (que vigiavam seus rebanhos possivelmente nessa área). Seja como for, Jacó ouviu a promessa de nações e reis e creu. Hoje, vivendo depois de Cristo, vemos seu cumprimento e participamos dele: nós, gentios, somos parte dessa “assembléia de nações” prometida, enxertados no Israel de Deus. Pastoralmente, isso nos incentiva a confiar nas promessas de Deus mesmo quando não as veremos completas em nossa vida. Jacó não viu reis em seu tempo (nem Abraão ou Isaque), mas cria. Morreu “na fé” (Hb 11:13). Nós também aguardamos promessas não totalmente cumpridas (a segunda vinda de Cristo, a ressurreição final, o Novo Céu e Nova Terra). Gênesis 35 termina com um patriarca morrendo e sendo sepultado – mas a história não acaba ali, pois Deus é Deus de vivos. A existência do povo de Israel e depois da Igreja testifica que as promessas a Jacó estavam vivas. Assim, mesmo ao enfrentarmos a realidade da morte, mantemos esperança viva no Deus que ressuscita os mortos e cumpre cada palavra. Podemos dizer a nós mesmos e às nossas comunidades: “O Deus de Betel é o nosso Deus. As promessas feitas a Israel se cumpriram em Cristo e ainda se cumprirão plenamente. Portanto, sejamos fiéis e andemos com Ele, pois Ele certamente é fiel para cumprir o que prometeu”.
Em conclusão, Gênesis 35 nos convida a uma jornada de volta a Deus, de abandono de ídolos, de renovação de compromissos, e ao mesmo tempo nos prepara para enfrentar as dores da vida com fé. Ensina-nos que Deus nunca falha em Sua aliança, embora nós tantas vezes falhemos. O capítulo é um microcosmo da vida cristã: há Betel (encontros com Deus, vitórias espirituais) e há caminho de Efrata (lágrimas e sepulturas). Mas em tudo isso, o Senhor caminha conosco, moldando-nos de Jacós em Israels. Que ao meditar nessa história, sejamos inspirados a purificar nossos corações, restaurar nosso altar pessoal, confiar nas promessas divinas e prosseguir, custe o que custar, até vermos face a face o Deus de Abraão, Isaque e Jacó – que em Cristo Jesus também é o nosso Deus.




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