As Consequências do Pecado para a Mulher e o Homem | Gênesis 3:16-19
- João Pavão
- 22 de ago.
- 9 min de leitura

Depois de declarar o destino da serpente, Deus volta-se para os seres humanos e pronuncia os juízos disciplinares específicos a cada um, delineando as consequências temporais do pecado em suas respectivas esferas. Importante notar: Deus não os amaldiçoa diretamente (como fizera com a serpente e fará com o solo), mas Ele declara como o pecado afetaria profundamente a experiência da mulher e do homem naquilo que lhes é mais fundamental: família e trabalho.
“E à mulher disse: ‘Multiplicarei grandemente as tuas dores e a tua concepção; em dor darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará.’” Aqui Deus delineia duas áreas de aflição para a mulher pós-queda: (1) dor no parto e (2) conflito na relação conjugal.
Primeiro, Deus diz que multiplicará as dores na gravidez e parto. O texto hebraico traz duas palavras semelhantes: “multiplicarei teus sofrimentos (itzavon) e tua gravidez; em dor (etzev) darás à luz filhos”. Provavelmente “dores e gravidez” funcionam como hendiadys – isto é, dores associadas à gravidez/gestação. Ou seja, a bênção de gerar filhos continuaria, mas agora acompanhada de grande sofrimento físico e emocional. Antes da queda, presume-se que dar à luz não implicaria dor intensa, mas a partir de então, a mulher sofreria desde as náuseas e desconfortos gestacionais até as contrações excruciantes do trabalho de parto. De fato, poucas dores são comparáveis à de parir, segundo percepções universais e bíblicas (cf. Miquéias 4.9-10, que compara agonia a dores de parto). Essa sentença não é punição arbitrária de Deus, mas a consequência natural do pecado entrando no corpo e na criação: a mulher, que tem o privilégio de gerar a vida, agora paga um preço alto em seu corpo por isso – lembra constantemente da fragilidade humana e da necessidade da graça. Assim, maternidade se tornaria mistura de alegria e dor, bênção e sofrimento. Contudo, até nisso há misericórdia: Deus não impede que tenha filhos (isso seria devastador), Ele apenas permite que a experiência venha com dor – que, embora aguda, geralmente é temporária e leva a um resultado jubiloso (Jo 16.21). Interessante notar: a palavra “dor/sofrimento” usada aqui (itzavon) é a mesma raiz que aparece no juízo do homem no v.17 (“com sofrimento comerás”, muitas versões “com dor/afanoso trabalho”). Isso liga ambos: tanto a mulher em seu papel de mãe quanto o homem em seu papel de provedor experimentarão sofrimento e frustração onde antes haveria só regozijo. É um equilíbrio: ambos compartilham a colheita do pecado em áreas diferentes, mas análogas. A terra resistirá ao homem; o útero (por assim dizer) resistirá à mulher, causando tribulações. Ainda, alguns veem um possível jogo de palavras: itzavon (dor) pode fazer eco a etz (árvore) – como se a dor de Eva no parto refletisse o trauma daquela “árvore” do conhecimento, uma lembrança de que aquele fruto trouxe tormento. De todo modo, o ponto prático: ser mãe não seria mais fácil; seria acompanhado de dores físicas e preocupações multiplicadas (afinal “concepção” também abrange provavelmente todo o processo pré-natal).
A segunda parte: “o teu desejo será para teu marido, e ele te dominará.” Essa sentença é mais complexa. A palavra “desejo” aqui (hebraico teshuqah) aparece apenas 3 vezes na Bíblia: aqui, em Gênesis 4.7 (“o desejo [do pecado] será contra ti, mas cumpre a ti dominá-lo” – Deus falando a Caim), e Cântico 7.10 (“o seu desejo [do amado] se volta para mim”). No Cântico, claramente é desejo amoroso/sexual. Em Gn 4.7, a maioria entende teshuqah como “desejo de controlar, de se impor” do pecado em relação a Caim, pois Deus diz “ele [o pecado] deseja ti, mas você deve dominá-lo” – quase idêntica construção a Gn 3.16b. Portanto, muitos estudiosos (como Susan Foh citada em Wenham) interpretam Gn 3.16b assim: “Teu desejo será contra teu marido (isto é, querer controlá-lo), mas ele te governará”. Nesse entendimento, Deus profere que, por causa do pecado, a relação de parceria vira uma disputa de vontades: a mulher tentará manipular ou dominar o marido (talvez usando meios sutis, emoção, etc.), e o marido, por sua vez, a dominará de maneira opressora com sua força ou posição. Isso se encaixa com a realidade histórica: a entrada do pecado distorceu a harmonia conjugal, gerando conflitos de papel. Em vez de liderança amorosa e sujeição voluntária, passou a haver frequentemente ou passividade do homem e usurpação da mulher, ou tirania do homem e subserviência forçada da mulher.
Outra linha de interpretação (Cassuto, etc.) toma “desejo para o marido” não como desejo de controle, mas apetite sexual ou dependência afetiva forte – ou seja, a mulher, mesmo sofrendo dores com filhos, ainda terá desejo pelo marido e buscará intimidade, mantendo o ciclo de gravidez/dor; e apesar de desejar o amor do marido, ele muitas vezes a dominará duramente. Isso também faz sentido: a mulher não deixaria de desejar estar unida ao esposo (em amor e sexualmente), mas o pecado o tornaria insensível, inclinando-o a governar sobre ela de modo egoísta. Assim se explicaria tragédias como machismo, patriarcado opressor, violência doméstica, etc. Essa segunda abordagem encara “desejo” de forma positiva (atração, amor, necessidade), tornando mais trágico o fato de que a resposta do homem será dominadora.
Ambas as leituras não se excluem totalmente: em geral, por causa do pecado, mulheres e homens lutam pelo poder no casamento, ou caem em ciclos de frustração. Muitas mulheres alternam entre tentar controlar e se sentir carentes dominadas; muitos homens entre oprimir ou abdicar e ser manipulados. O ideal original (parceria complementar) foi maculado. Assim, Gn 3.16 diagnostica a raiz das guerras dos sexos.
Importante lembrar: isso é uma descrição do que ocorreria no mundo caído, não uma prescrição do que Deus acha certo. Deus não está aqui aprovando a dominação masculina ou a rebeldia feminina – Ele está lamentavelmente prevendo: “vocês quebraram Minha ordem, então agora enfrentarão essa tensão.” Precisamos ler esse versículo não como norma moral, mas como consequência do pecado. À luz do Novo Testamento, que nos redime da maldição, somos chamados a superar esse padrão. Em Cristo, a relação marido-mulher pode ser restaurada ao amor-sacrifício dele e respeito-submissão dela (Ef 5.22-25) em vez de desejo de controlar e dominar. Ou seja, o evangelho nos liberta do ciclo vicioso de Gênesis 3.16b para um ciclo virtuoso. Então, mulheres cristãs não devem manipular ou menosprezar os esposos, mas respeitá-los; e maridos cristãos não devem jamais “dominar” tiranicamente, e sim liderar com amor altruísta e compreensão, tratando a esposa como co-herdeira (1Pe 3.7). Essa é a forma de vivermos não mais sob a maldição mas sob a graça. Infelizmente, no mundo não regenerado, Gn 3.16b é a norma ainda – e mesmo crentes lutam contra seus efeitos.
Resumindo 3.16: A mulher, que foi a primeira a ceder à tentação, sofre impacto em seu chamado principal (ser mãe/esposa). Em vez de fácil fecundidade e relacionamento conjugal harmônico, ela enfrentará dores profundas ao gerar filhos e potenciais dores emocionais no casamento pela disputa ou opressão. Isso foi profetizado para Eva e se generalizou a todas as mulheres. Isso não quer dizer que toda interação conjugal será assim – com Deus, há muitas famílias felizes – mas aponta uma inclinação do coração humano caído, a ser vencida pela graça.
Agora Deus dirige-se ao homem: “E a Adão disse: ‘Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida. Ela produzirá também espinhos e ervas daninhas, e comerás as plantas do campo. No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste tomado; porque tu és pó, e ao pó tornarás.’” Aqui há muito conteúdo, vamos por partes:
Deus começa enunciando o motivo do juízo: “porque deste ouvidos à tua mulher e comeste da árvore que Eu te proibi”. O erro de Adão não foi ouvir um conselho sábio da esposa (isso é bom e necessário), mas “dar ouvidos” no sentido de obedecer a ela quando ela o influenciou a quebrar uma ordem expressa de Deus. Adão inverteu a hierarquia: seguiu a criatura (a mulher) ao invés do Criador. Assim, Deus enfatiza: “eu te ordenei: não coma; você ouviu outro ao invés de Mim.” Essa é a raiz da queda: desobediência à ordem divina por dar prioridade a outra voz. Isso serve de alerta: nada – nem mesmo a pessoa mais amada – deve nos levar a transgredir a Palavra de Deus. Se o cônjuge sugere algo contra Deus, deve-se desobedecer ao cônjuge e obedecer a Deus. Adão falhou nisso, e muitos ainda falham colocando família acima de Deus. Isso traz consequências dolorosas.
A punição de Adão não é exatamente “Deus te amaldiçoa”, mas sim “maldita é a terra por causa de ti”. Deus amaldiçoa o solo, ou seja, a criação sob responsabilidade de Adão. Lembremos, Adão foi posto para cultivar a terra e dela tirar sustento (2.15). O trabalho não era maldição em si – era bom. Mas agora, o ambiente da sua labuta é amaldiçoado, dificultando enormemente sua missão. Adão pecou comendo do fruto errado da terra; agora a terra toda é afetada, de modo que obter frutos certos dela se torna árduo. Essa maldição no ecossistema se reflete até hoje: a natureza, antes cooperativa, ficou adversa em muitos aspectos. Romanos 8.20-22 ecoa isso: “a criação ficou sujeita à futilidade... até hoje está gemendo” por causa do pecado, e aguarda redenção.
Deus especifica: “com fadiga [ou sofrimento] comerás dela todos os dias da vida”; “ela produzirá espinhos e abrolhos/ervas daninhas”; “no suor do rosto comerás o pão.” Em suma: trabalho duro, frustração e desgaste físico.
“Com fadiga/sofrimento comerás”: a mesma palavra itzavon de 3.16 para as dores da mulher. O homem conhecerá fadiga mental, estresse e frustração na lida. Antes, cultivar era prazeroso e totalmente frutífero; agora, será cansativo e nem sempre bem-sucedido. Todo profissional que lida com trabalho sabe das fadigas: problemas inesperados, insucessos, monotonia, cansaço. Isso remonta a essa maldição.
Espinhos e ervas daninhas: ou cardos e abrolhos. Representam aquilo que a terra produziria sem ser desejado, competindo com as plantas úteis. O que era para dar alimento agora dá também “pragas” e coisas inúteis ou prejudiciais. Agricultura se torna um combate: tem que arrancar ervas daninhas, driblar pragas, etc. Em sentido mais amplo, refere-se a toda sorte de dificuldades naturais: clima adverso, secas, doenças nas plantas, etc. O homem, para arrancar seu sustento, terá de enfrentar a hostilidade da natureza. Isso se cumpre desde então: cultivar, criar animais, extrair recursos – tudo isso envolve lutas e incertezas. “Espinhos” viraram símbolo bíblico de maldição e dor (coroa de espinhos de Cristo representou Ele levando essa maldição sobre si).
“Comerás as plantas do campo”: antes provavelmente a dieta principal vinha das árvores frutíferas facilmente acessíveis. Agora, Adão teria de se voltar a plantas do campo – grãos, cereais, vegetais – que exigem cultivo árduo. Basicamente, Deus diz: “Terás que virar lavrador pleno, arar a terra para plantar e colher teu sustento.” Essa é a origem da agricultura pesada para subsistência.
“No suor do rosto comerás o teu pão”: reforça que apenas com muito esforço (suor gotejando do rosto) ele conseguiria pão (alimento processado, exigindo moer grãos, etc.). “Suor do rosto” indica trabalho extenuante. E não por um tempo curto: “todos os dias da tua vida.” A labuta seria constante até o fim da vida – não haveria aposentadoria tranquila no Éden, como poderia ter sido.
Em síntese, o trabalho do homem se torna penoso e marcado pela mortalidade. Porque Deus acrescenta por fim: “até que voltes ao solo, porque dele foste tomado; porquanto és pó e ao pó tornarás.” Aqui temos a sentença de morte física. Deus confirmou que Adão, que do pó foi formado (2.7), retornaria ao pó – ou seja, seu corpo morreria e se decomporia. Isso cumpre a ameaça de 2.17 “certamente morrerás”, embora não imediatamente no dia, mas a partir daquele dia ele se tornou mortal e caminharia para a morte inevitável. A frase “és pó e ao pó tornarás” enfatiza a humilhação – Adão precisa reconhecer sua fragilidade e finitude, algo que talvez não experimentaria se não pecasse (poderia ter sido transferido à glória sem ver corrupção, não sabemos, mas certamente a morte não faria parte do plano ideal).
A morte física completa o quadro de maldição: o homem trabalharia duro até morrer – e a terra que ele lavrou acabaria por “engolir” seu corpo. Notemos que a morte aqui não é apresentada como libertação, mas como parte da pena: “até que morras”. A morte é inimiga (1Co 15.26), é parte da maldição. Então, para o homem há três “D”s: Dureza do trabalho, Dores do esforço (suor) e Decadência do corpo até a morte. Tudo isso por causa do pecado.
Isso não significa que o trabalho não possa ter alegria ou significado – ainda tem, pela graça. Mas universalmente, todos nós (especialmente provedores) sentimos quão “ganhar o pão” é difícil e estressante. E todos enfrentamos a certeza da morte. Essas realidades nos lembram de quão sério é o pecado e quão desesperadamente precisamos da redenção.




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