A Vida nas Águas e nos Céus (Quinto Dia) | Gênesis 1.20–23
- João Pavão
- 3 de ago.
- 14 min de leitura
Atualizado: 14 de set.

Introdução e Contextualização
A narrativa da criação em Gênesis, o livro das origens, estabelece o fundamento para toda a revelação bíblica. Após os atos monumentais de formação nos três primeiros dias, onde Deus trouxe ordem ao caos, separando luz e trevas, águas e céus, e terra e mares, a narrativa avança para uma nova fase: o preenchimento. O quinto dia da criação, registrado em Gênesis 1:20-23, marca um momento de transição espetacular. Os domínios do espaço, os céus e os mares, meticulosamente preparados no segundo dia, agora são povoados por uma explosão de vida animal.
Este estudo se propõe a mergulhar nas profundezas destes quatro versículos, demonstrando que o quinto dia é muito mais do que a simples introdução de peixes e aves. É uma proclamação teológica sobre a natureza da vida, a soberania incontestável de Deus sobre criaturas que outras culturas temiam e deificavam, e a instituição da primeira bênção divina, um mandato de frutificação que se torna um tema central em toda a história da redenção.
Ao analisar o quinto dia, testemunhamos a introdução de um novo conceito: a alma vivente (nephesh chayah), um termo que designa a vida senciente e que une a humanidade ao reino animal, ao mesmo tempo que a distingue dele. Vemos a desmistificação de monstros marinhos que, em mitologias vizinhas, representavam forças caóticas primordiais, aqui reduzidos a meras criaturas sob o comando de seu Criador. E, crucialmente, ouvimos a primeira palavra de bênção, um chamado para "frutificar e multiplicar", que estabelece o padrão para a aliança de Deus com Noé, com os patriarcas e, em última análise, com a Sua Igreja.
Portanto, o estudo de Gênesis 1:20-23 não é apenas um exercício de exegese sobre a origem da vida aquática e aviária; é uma exploração das doutrinas fundamentais da criação, da soberania divina e da natureza da bênção pactual de Deus. É a contemplação do momento em que os mares e os céus, antes silenciosos, foram preenchidos com o movimento e o som da vida, respondendo ao comando de seu Criador.
Estrutura Literária e Análise Narrativa
O Paralelismo Estrutural: O Dia Cinco e o Dia Dois: A arquitetura literária de Gênesis 1 é uma obra de arte de simetria e propósito teológico. A semana da criação é organizada em duas tríades paralelas, onde os atos de formação dos dias 1 a 3 correspondem diretamente aos atos de preenchimento dos dias 4 a 6. O estado inicial da terra é descrito como "sem forma e vazia" ( tohu wa-bohu). Os três primeiros dias resolvem o problema do "sem forma" (tohu), enquanto os três dias seguintes resolvem o problema do "vazia" (bohu).
O quinto dia (vv. 20-23) se encaixa perfeitamente neste esquema como o paralelo direto do segundo dia (vv. 6-8). No segundo dia, Deus criou o "firmamento" (רָקִיעַ - raqia') para separar as "águas debaixo do firmamento" (os mares) das "águas sobre o firmamento" (a atmosfera ou os céus). Ele, assim, formou dois grandes domínios. No quinto dia, Deus preenche precisamente esses dois domínios: os mares com criaturas aquáticas e os céus com aves.
Esta correspondência deliberada não é meramente estética; ela reforça a imagem de um Criador que age com sabedoria e planejamento, preparando cuidadosamente os habitats antes de criar seus habitantes.
A tabela a seguir ilustra esta correspondência estrutural:
As Fórmulas Narrativas no Quinto Dia: O quinto dia segue o padrão rítmico e formulaico que caracteriza toda a narrativa da criação, embora com algumas variações notáveis.
"E disse Deus" (וַיֹּאמֶראֱלֹהִים - wayyo'mer 'Elohim) (v. 20): A Palavra de Deus é novamente o agente criador, trazendo a vida à existência por meio de um comando soberano.
Omissão de "E assim se fez": Diferentemente da maioria dos outros dias, a fórmula de cumprimento "e assim se fez" (וַיְהִי־כֵן - wayehi-khen) está ausente no relato do quinto dia. Em seu lugar, a narrativa passa diretamente para a fórmula de execução.
"E criou Deus" (וַיִּבְרָאאֱלֹהִים - wayyivra' 'Elohim) (v. 21): A fórmula de execução descreve a ação divina. O uso do verbo bara ("criar") aqui é significativo, pois é reservado para atos criativos divinos de grande magnitude.
"E viu Deus que era bom" (וַיַּרְאאֱלֹהִיםכִּי־טוֹב - wayyar' 'Elohim ki-tov) (v. 21): A avaliação divina reafirma a perfeição e o valor inerente das criaturas recém-criadas.
A Primeira Bênção (v. 22): Uma nova fórmula é introduzida: "E Deus os abençoou" (וַיְבָרֶךְאֹתָםאֱלֹהִים - wayevarekh 'otam 'Elohim). Esta é a primeira vez que a palavra "bênção" aparece na Bíblia, marcando um momento crucial na narrativa.
"Houve tarde e manhã, o dia quinto" (וַיְהִי־עֶרֶבוַיְהִי־בֹקֶריוֹםחֲמִישִׁי - wayehi-'erev wayehi-voqer yom chamishi) (v. 23): A fórmula cronológica conclui o dia, mantendo a estrutura semanal da criação.
A estrutura do quinto dia, com a introdução da bênção divina, eleva a narrativa. Não se trata mais apenas de formar e organizar a matéria inanimada, mas de infundir o mundo com vida senciente e capacitá-la a florescer.
Análise Exegética e Hermenêutica Detalhada
Versículo 20: Este versículo descreve o comando divino que dá início à vida animal. Assim como no terceiro dia, Deus comanda os elementos da criação (as águas) para se tornarem agentes secundários de Sua vontade criadora.
Análise de יִשְׁרְצוּהַמַּיִםשֶׁרֶץ (yishretsu hammayim sherets) - "Povoem-se as águas de enxames": A raiz verbal שׁרץ (shrts) significa "pulular", "fervilhar" ou "enxamear". Ela transmite uma imagem de movimento abundante, rápido e prolífico. Deus não cria apenas alguns espécimes, mas uma superabundância de vida que enche os mares. A ordem é para que as próprias águas produzam essa vida, demonstrando o poder que Deus infunde em Sua criação.
Análise de נֶפֶשׁחַיָּה (nephesh chayah) - "Alma vivente": Esta é uma das frases teologicamente mais importantes do capítulo. Nephesh (נֶפֶשׁ) é um termo complexo, frequentemente traduzido como "alma", "vida", "pessoa" ou "ser". No contexto da criação, nephesh chayah não se refere a uma alma imaterial no sentido platônico, mas à vida senciente, caracterizada pela respiração, movimento e consciência. É crucial notar que este termo é aplicado tanto aos animais (Gênesis 1:20, 24) quanto ao homem (Gênesis 2:7). Isso estabelece uma continuidade entre a humanidade e o reino animal como criaturas viventes de Deus, embora o homem seja distinguido de forma única por ser criado à imagem de Deus. As plantas, criadas no terceiro dia, não são descritas como nephesh chayah, indicando uma distinção bíblica entre a vida vegetal e a vida animal senciente.
"E voem as aves" (וְעוֹףיְעוֹפֵף - we'oph ye'opheph): A sintaxe hebraica aqui é ambígua e tem gerado debate. Ela pode ser interpretada como se as aves também se originassem das águas, ou como um segundo comando criativo distinto. A primeira interpretação é plausível, dado o paralelismo com as criaturas aquáticas no mesmo versículo. Independentemente da origem exata, o texto é claro: Deus cria as aves para preencher o domínio aéreo que Ele preparou no segundo dia.
Versículo 21: Este versículo descreve a execução do comando divino, com ênfase particular em certas criaturas e no princípio da ordem biológica.
O Uso de Bara (בָּרָא): O narrador usa novamente o verbo criar (bara), que, como vimos, é reservado para a atividade criadora única de Deus. Seu uso aqui, para a criação da vida animal, sublinha a magnitude e a novidade deste ato. Não é uma mera emanação ou evolução a partir da matéria, mas uma intervenção divina direta que traz à existência a vida senciente.
Análise de הַתַּנִּינִםהַגְּדֹלִים (hattanninim haggedolim) - "As grandes baleias" ou "os grandes monstros marinhos": Este termo é de imensa importância polêmica. Tanninim pode se referir a uma variedade de criaturas grandes, como serpentes, crocodilos ou monstros marinhos. No contexto mitológico do Antigo Oriente Próximo, criaturas marinhas monstruosas como Tiamat (Babilônia) e Lotan/Leviatã (Canaã) eram divindades do caos que precisavam ser derrotadas em uma batalha cósmica (teomaquia) para que a ordem fosse estabelecida. O relato de Gênesis subverte radicalmente essa visão de mundo. Os tanninim não são deuses rivais a serem combatidos; eles são simplesmente criaturas de Deus, parte de Sua boa criação, formados pelo mesmo comando que trouxe à existência os peixes menores. Ao declarar que "Deus criou os grandes monstros marinhos", o texto faz uma poderosa declaração apologética: o que outras nações temem como deuses caóticos, o Deus de Israel cria e controla com uma palavra. O Leviatã, que em Jó e nos Salmos simboliza o poder caótico que só Deus pode domar, é aqui apresentado como apenas mais uma de Suas obras.
"Conforme as suas espécies" (לְמִינֵהֶם - leminehem): A frase, repetida aqui para as criaturas aquáticas e para as aves, reforça o princípio da ordem e estabilidade biológica estabelecido no terceiro dia. Deus cria uma diversidade de vida, mas cada "tipo" ou "espécie" tem sua própria identidade e limites reprodutivos definidos.
Versículo 22: Este versículo introduz um novo e vital conceito na narrativa bíblica: a bênção de Deus.
A Natureza da Bênção (בְּרָכָה - berakhah): Esta é a primeira bênção registrada na Bíblia. A bênção divina não é um mero desejo de bem-estar; é uma concessão de poder e capacidade. Ao abençoar as criaturas, Deus lhes confere a capacidade de serem férteis e de cumprirem o propósito para o qual foram criadas: encher seus respectivos domínios.
O Mandato de Frutificação: O comando "Frutificai e multiplicai-vos" (פְּרוּוּרְבוּ - peru urevu) é o conteúdo central da bênção. Este mandato estabelece um padrão que será repetido e expandido ao longo da Escritura. Ele é dado à humanidade no sexto dia (Gênesis 1:28), renovado com Noé após o dilúvio (Gênesis 9:1, 7) e se torna um elemento central das promessas da aliança aos patriarcas, que seriam abençoados com uma descendência numerosa. A bênção da vida e da frutificação é, portanto, um dos temas unificadores da teologia bíblica, começando aqui com as primeiras criaturas sencientes.
Versículo 23: A fórmula de encerramento demarca o fim do trabalho do quinto dia, mantendo a estrutura ordenada da semana da criação e preparando o cenário para o clímax no sexto dia.
Contexto Histórico-Cultural e Arqueológico
Gênesis 1 como Polêmica Contra a Mitologia do Antigo Oriente Próximo: A narrativa do quinto dia, como todo o capítulo 1 de Gênesis, deve ser entendida como uma poderosa polêmica teológica contra as cosmogonias pagãs do Egito, Mesopotâmia e Canaã.
Desmistificação dos Monstros Marinhos (Mesopotâmia e Canaã): Como já mencionado, a criação calma e ordenada dos tanninim é uma refutação direta de mitos como o Enuma Elish babilônico e o Ciclo de Baal cananeu.
No Enuma Elish, o deus Marduk precisa travar uma batalha feroz contra a deusa do mar primordial, Tiamat, e seu exército de monstros, para estabelecer a ordem.
Nos textos de Ugarit, o deus da tempestade, Baal, luta contra Yam, o deus do mar, e seu servo, o monstro marinho de sete cabeças, Lotan.
Gênesis 1 remove completamente a teomaquia (batalha dos deuses). O mar e suas maiores criaturas não são divindades hostis, mas criações obedientes. O poder que os vizinhos de Israel atribuíam a Baal ou Marduk pertence unicamente a YHWH, que não precisa lutar, apenas falar.
Desdivinização das Criaturas (Egito): Na mitologia egípcia, muitas divindades eram representadas com características de animais, e certos animais eram considerados sagrados.
Aves como o falcão (associado a Hórus) e o íbis (associado a Thoth) tinham grande significado religioso. Peixes e criaturas do Nilo também estavam ligados a várias divindades.
Gênesis 1, ao apresentar todas as aves e criaturas marinhas como meros produtos da palavra criadora de Deus, despoja-as de qualquer status divino. Elas não são deuses a serem adorados, mas criaturas que devem sua existência ao único Deus verdadeiro e que são abençoadas por Ele para cumprir Seu propósito.
A narrativa do quinto dia, portanto, não é uma simples lista de animais. É uma declaração teológica radical para sua audiência original, afirmando o monoteísmo e a soberania absoluta de Deus sobre um mundo que as culturas vizinhas viam como povoado por forças divinas conflitantes e muitas vezes malévolas.
Questões Polêmicas, Discussões Teológicas e Teorias
A Alma dos Animais - O Significado de Nephesh Chayah: A aplicação do termo "alma vivente" (nephesh chayah) tanto a animais quanto a humanos levanta uma questão teológica perene: os animais têm alma?
A resposta bíblica requer uma compreensão cuidadosa do termo hebraico nephesh. Ele não corresponde diretamente ao conceito grego de uma alma imaterial e imortal que habita um corpo.
Nephesh refere-se à essência da vida senciente, ao "sopro da vida" que anima uma criatura, dando-lhe consciência, instintos e a capacidade de sentir.
Continuidade: Nesse sentido, a Bíblia afirma que os animais têm nephesh. Eles são "almas viventes", assim como o homem. Isso estabelece uma continuidade e um valor inerente à vida animal como uma dádiva de Deus.
Discontinuidade: No entanto, a alma humana é qualitativamente diferente. Apenas o homem é criado à imagem de Deus (Gênesis 1:26-27), o que lhe confere racionalidade, consciência moral, capacidade de comunhão com Deus e um destino eterno que não é atribuído aos animais. A "alma" humana, portanto, embora compartilhando o princípio da vida senciente (nephesh) com os animais, possui uma dimensão espiritual (neshamah / ruach) que a torna única.
Diferentes tradições teológicas interpretam isso de maneiras variadas:
A teologia católica, por exemplo, distingue entre a alma material dos animais, que cessa com a morte do corpo, e a alma espiritual, racional e imortal dos humanos.
Outras tradições enfatizam a mordomia sobre os animais como criaturas de Deus, reconhecendo seu valor sem atribuir-lhes um status eterno igual ao dos humanos.
Criação "Segundo a Sua Espécie" e o Debate com a Evolução: A frase "segundo a sua espécie" é um ponto central no debate entre criacionismo e a teoria da evolução.
Perspectiva Criacionista: Muitos criacionistas, especialmente os da Terra Jovem, interpretam esta frase como uma declaração de que Deus criou "tipos" ou "espécies" biológicas fixas e distintas, com variação ocorrendo apenas dentro desses limites ("microevolução"), mas sem a possibilidade de uma espécie se transformar em outra ("macroevolução").
Design Inteligente: A teoria do Design Inteligente (DI) argumenta que a complexidade irredutível observada em muitas formas de vida, incluindo as criaturas marinhas e aviárias, aponta para um "designer inteligente" e não pode ser explicada adequadamente por processos não direcionados como a seleção natural.
Evolucionismo Teísta: Outros cristãos, que aceitam a teoria da evolução, interpretam "segundo a sua espécie" de forma menos rígida, vendo-a como uma descrição da diversidade ordenada da criação de Deus, sem que isso exclua um processo evolutivo guiado por Ele ao longo de vastos períodos de tempo.
É importante notar que o propósito primário do texto de Gênesis não é científico, mas teológico: afirmar que a diversidade e a ordem do mundo vivo são o resultado do desígnio soberano de Deus, e não do acaso.
Doutrina Teológica (Sistemática) e Visões de Correntes Denominacionais
O quinto dia da criação é uma fonte rica para várias doutrinas teológicas.
Doutrina da Criação: O texto reafirma que a vida animal não é eterna nem auto-gerada, mas é trazida à existência pela palavra soberana de Deus (creatio ex nihilo no que diz respeito à vida senciente).
Doutrina de Deus (Soberania e Bondade): A criação dos tanninim demonstra a soberania de Deus sobre todas as forças, reais ou imaginárias. A avaliação "era bom" e a concessão da bênção revelam a benevolência e o deleite de Deus em Sua criação.
Doutrina da Bênção: O quinto dia introduz a bênção como um ato divino que capacita a criação a ser frutífera e a cumprir o propósito de Deus. Esta bênção é um ato de pura graça, que flui do caráter generoso do Criador.
Visões Denominacionais
Visão Reformada/Calvinista: Enfatiza a soberania absoluta de Deus em chamar a vida à existência por meio de Seu decreto. A bênção é vista como uma manifestação da graça comum de Deus, que sustenta e permite que a criação floresça.
Visão Batista/Evangélica: Geralmente adota uma leitura mais literal, vendo o quinto dia como um período histórico em que Deus criou diretamente os diferentes "tipos" de criaturas marinhas e aves. A frase "segundo a sua espécie" é frequentemente usada na apologética contra a macroevolução.
Visão Pentecostal: Foca no poder da Palavra falada de Deus ("E disse Deus..."). A criação da vida por um comando divino é vista como um paradigma para o poder de Deus que opera hoje através da fé e da proclamação do Evangelho.
Visão Adventista: Os adventistas veem a criação original como "muito boa", o que implica um mundo sem morte ou predação. A dieta original para todos os animais, assim como para os humanos, era vegetariana (Gênesis 1:29-30). A existência de carnívoros é vista como uma consequência da Queda.
Visão Católica: A Igreja Católica afirma Deus como o Criador de todas as coisas, mas permite a possibilidade de o corpo humano ter se desenvolvido através de um processo evolutivo (evolucionismo teísta), enquanto sustenta que a alma humana é criada diretamente por Deus. A criação dos animais no quinto dia é vista como parte do plano providencial de Deus.
Análise Apologética de Temas e Situações Específicas
O Argumento Teleológico e a Vida Aquática e Aérea: O quinto dia da criação oferece um poderoso material para o argumento teleológico (ou argumento do desígnio) em defesa da fé cristã. Este argumento postula que a ordem, a complexidade e o propósito observados no universo apontam para a existência de um designer inteligente.
Complexidade Irredutível: A biologia de uma ave, por exemplo, apresenta uma complexidade espantosa. O sistema esquelético oco e leve, a estrutura única das penas, o sistema respiratório altamente eficiente e os instintos de navegação inatos são sistemas interdependentes que precisam estar presentes e funcionando juntos para que o voo seja possível. Da mesma forma, a diversidade de vida nos oceanos, desde os microrganismos até as grandes baleias, exibe uma complexidade bioquímica e ecológica que desafia explicações baseadas puramente no acaso.
Cosmovisão Bíblica vs. Materialismo Filosófico: A cosmovisão bíblica afirma que essa complexidade é o resultado da sabedoria de um Criador pessoal. O materialismo filosófico, por outro lado, sustenta que a matéria é a única realidade e que a vida surgiu através de processos não guiados e sem propósito. A narrativa do quinto dia, com seu foco no comando intencional de Deus ("Disse Deus..."), na ordem ("segundo a sua espécie") e no propósito ("frutificai e multiplicai-vos"), oferece uma explicação mais coerente para a complexidade observada do que a alternativa materialista. A própria possibilidade da ciência biológica pressupõe um universo ordenado e inteligível, o que é uma consequência lógica de um Criador racional, mas não uma necessidade em um universo puramente acidental.
Conexões Intertextuais Bíblicas e Tipologia Teológicas Bíblicas
Os temas do quinto dia — o mar, as criaturas marinhas e as aves — ressoam por toda a Escritura, adquirindo um profundo significado simbólico.
O Mar como Símbolo de Caos e Redenção: O mar, que aqui é preenchido com vida, frequentemente simboliza o caos, o julgamento e a separação de Deus no restante da Bíblia. O Dilúvio, a travessia do Mar Vermelho e a tempestade acalmada por Jesus (Marcos 4:35-41) são exemplos onde o poder de Deus sobre as águas é uma demonstração de Seu poder redentor. O controle de Deus sobre as criaturas do mar, desde os grandes tanninim até o peixe que engoliu Jonas, é um testemunho de Sua soberania sobre as forças mais temíveis.
O Leviatã: Da Criação à Escatologia: O tannin (singular de tanninim) ou Leviatã, criado no quinto dia, torna-se um poderoso símbolo. No Salmo 74:14, a derrota do Leviatã é associada à obra criadora de Deus, ecoando os mitos do ANE, mas atribuindo a vitória a YHWH. Em Isaías 27:1, o Leviatã é um símbolo dos inimigos escatológicos de Deus (e, por extensão, de Satanás), que serão derrotados no dia final. A jornada deste símbolo, de criatura a arqui-inimigo, mostra como a teologia bíblica reutiliza imagens da criação para falar da redenção.
As Aves como Símbolos Divinos e Espirituais: As aves também carregam um rico simbolismo.
A pomba retorna à arca de Noé com um ramo de oliveira, tornando-se um símbolo de paz e de um novo começo (Gênesis 8:11). Mais tarde, o Espírito Santo desce sobre Jesus "como pomba" em Seu batismo (Mateus 3:16), simbolizando pureza, paz e a unção divina.
A águia é usada como uma metáfora para o cuidado poderoso e protetor de Deus por Seu povo: "vos levei sobre asas de águia e vos cheguei a mim" (Êxodo 19:4). Em Isaías 40:31, aqueles que esperam no Senhor "subirão com asas como águias".
Jesus também usa as aves do céu como um exemplo da provisão de Deus, exortando Seus seguidores a não se preocuparem (Mateus 6:26).
Exposição Devocional com Aplicação para a Vida Atual
A criação da vida nos mares e nos céus no quinto dia oferece lições profundas para nossa jornada de fé hoje.
Confiança na Soberania de Deus sobre o Caos: Assim como Deus criou e domou os "grandes monstros marinhos" que as nações pagãs temiam, Ele é soberano sobre os "mares" caóticos de nossas próprias vidas. As tempestades de dúvida, medo, sofrimento ou incerteza que ameaçam nos engolir estão sob o Seu comando. O mesmo Deus que estabeleceu os limites para os oceanos pode trazer paz às nossas almas turbulentas. Podemos confiar que nenhum "Leviatã" em nossa vida é maior do que o poder de nosso Criador e Redentor.
Recebendo e Vivendo a Bênção de Deus: A primeira bênção na Bíblia foi dada a peixes e aves, um chamado para serem frutíferos. Esta mesma bênção, em um sentido espiritual, é estendida a nós em Cristo. Somos chamados a "dar muito fruto" (João 15:8), a produzir o "fruto do Espírito" (Gálatas 5:22-23) e a participar da multiplicação do Reino de Deus na terra. O quinto dia nos lembra que a frutificação não vem de nosso próprio esforço, mas é o resultado de recebermos a bênção capacitadora de Deus. Devemos, portanto, viver em dependência d'Ele, buscando Sua bênção para que nossas vidas possam cumprir o propósito para o qual fomos criados.
Maravilhando-se com o Criador: Finalmente, o quinto dia nos convida a parar e a nos maravilhar. Da menor ave ao maior animal marinho, a criação de Deus é um testemunho de Sua criatividade, sabedoria e poder infinitos. Em um mundo que muitas vezes nos distrai com o artificial, somos chamados a olhar para a natureza — para o voo de um pássaro, para a imensidão do oceano — e a ver a assinatura do nosso Deus. Que essa contemplação nos leve, como o salmista, a uma adoração mais profunda: "Quão numerosas são as tuas obras, SENHOR! Fizeste-as todas com sabedoria; a terra está cheia das tuas criaturas" (Salmo 104:24).




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